Tuesday, January 30, 2007


No salão subterrâneo de um hotel 3 estrelas, Víctor chegou até o som; tinha nas mãos uma fita cassete de um segundo lugar. Duvidou por alguns instantes: o magnetismo é o mesmo em mundos diferentes? Não faz mal, insistiu. Abriu a gavetinha e encaixou a peça. Logo percebeu que o roçar era o mesmo de casa, quando, esticado sobre o chão, contava os livros ao som de qualquer pop vagabundo. Difícil, agora, filtrar a música que não fora popular. Dava preguiça imaginar que, em pouco tempo, tudo estaria condenado ao consumo de três minutos controlados. Curiosamente, o tempo não era igual para todas as canções. Algumas delas eram eternas em escassos minutos e meio. De novo, por exemplo. Na demora do pensamento, a fita estava girando já. Com alguns minutos de atraso, agitou o corpo, com força, queria encaixá-lo na marcação alegre de um “Hello Dolly”. Num momento, enquanto inventava um passo popeado, num jazz de melodia assobiável, sentiu que, simultaneamente, existia em algum outro país. Essa sensação que se experimenta quando da entrega do corpo e do espírito, num ritual que fala outra língua, sempre matemática. Pensou que, sim, hoje, entre passos atravessados, eu sou, estou sendo, quis dizer, personagem de um livro do Sábato... El exterminador era, ativo e inquieto, perdido no baú de vidas registradas com a dor e a melancolia de um autor nascido argentino. Argentino, sabia, era mais que adjetivo patriótico. Era um jeito de sentir o mundo. Hoje, disse mais de uma vez, acordei argentino. Sob a música de Armstrong, agarrado a um corpo loiro e báltico, tão suave e cheio de linhas, era de novo. Mais de uma vez, sentira assim: no extremo da felicidade, a tristeza implacável, funda e honesta, do mais puro que experimentaria em vida. De longe, ninguém jamais adivinharia. O corpo era pura ilusão. Era sentimento provado com a leveza de quem perde, por alguns minutos, consciência da vida. Que é, digamos a verdade, ciência da morte. Estou morrendo, assassino de mim mesmo. Quando me atrevo e arrisco aventura nova, é para nunca mais. Tudo o que faço me dói, contraditoriamente, no momento exato em que está feito. Sem ser mais. Tornou a prestar atenção ao tema, no solo interminável do sopro simpático de alguém que existira feliz, diante dos outros. Quero mais. Fica sempre a chance de rebobinar. E, novamente, lembrar o que tem sido, agora distante e derramado, carente de recuperação. Ah, três estrelas, repetiu, em voz baixa, surda no ar congestionado. O número sempre escapa. Três, emocionado. Um brilho a mais e era morte, definitivamente.

Saturday, January 27, 2007

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade em suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar-se a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo na sua libérrima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mão vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro."
H.P.
"Último ano, último dia do ano: Lêda é a primeira entre as meninas, Eduardo é o primeiro entre os meninos. Por desfastio, já não queria impressioná-la assim:
- Juro que não queria ser o primeiro.
- O que é que você queria?
Não sabia o que queria, e a vida afora se faria cada vez mais infeliz, agindo como se soubesse."
p. 19

Wednesday, January 24, 2007


A poesia-rock de 2006

El mató a un policia motorizado
"Un millón de euros, o último disco do grupo de La Plata (Argentina), fala da vida, dos amigos, das viagens, dos reis magos, do novo kraut campestre, dos festejos primaveris e de sonhos de riquezas infinitas, do punk espacial, das garotas itinerantes, das imagens de um mundo melhor, do indie rock elegante de vilarejo e das vias metálicas da mente humana. A calma e a iluminação precedem a tormenta. Un millón de euros é a segunda parte da trilogia que ilustra o nascimento, a vida e a morte."

Pronto estarán con nosotros en el primer compilado de "si no puedo bailar, no es mi revolución". En un cielo de nubes, no hay segunda vez!

Tuesday, January 23, 2007

Mudei e não deixei o endereço com ninguém. Quando não sabem onde você mora, as visitas valem o dobro.

Thursday, January 18, 2007


— Ernesto, tive já oportunidade de dizer. Não espero por uma segunda chance. Se quisermos fazer, tem de ser agora. Os amigos, se houver, serão o abraço do tempo de cá. Veja bem, não quero, com isso, dizer que conheço o mundo que existe. O mágico, o transcendente, faz parte da imensa realidade que não alcanço. Por isso, fantasia. Quando digo “Deus não existe”, não condeno um princípio... Apenas suponho o infinito do universo simbólico que engole o homem, de modo diferente, em cada canto do mundo. Deus existe como construção. Não dorme em berço branco, com barba comprida, ciente e senhor de tudo. Ninguém, nunca, jamais, pode negar isso. Você estará lembrado de que todo o sistema nietzschiano devassa a tradição cristã, servido de outro paradigma simbólico e religioso. Nietzsche não acreditou num Dionísio físico e imperativo. Falamos de princípios, conceitos que se espalham pelo mundo, na tentativa de dar sentido a uma sede de entendimento insaciável. Não, Ernesto, não acredito numa segunda vez.

Ernesto recolheu um pouco da franja. Olhando para Víctor, pensando no mundo imprevisível que se perde dentro de cada um de nós, voltava a estudar as palavras que o jovem amigo insistia em repetir, sempre com um verbo, ou uma conjunção, que colocava em dúvida a construção da vez anterior.

— Sim, você já me falou a respeito. “Num céu de nuvens, não existe uma segunda vez”. Foi assim, não? Enfim. Nesse ponto estamos de acordo. Aliás, tenho me dado conta de que estamos cada vez mais de acordo. O que não me parece muito bom. Afinal, rapaz, o mundo encanta justamente quando se revela diferente. Fôssemos todos iguais, e me matava na primeira oportunidade.

— “Se todos fossem iguais a você, que desgraça viver...”.

Ernesto observava o amigo, encantado com a voracidade ingênua de toda juventude.

— Entendo – emendou Víctor. A diferença deve existir, claro. Mas a afinidade não deve ser entendida como uma relação de identidade. Jamais. Afinidade é uma relação de semelhança, entendida no sentido geométrico, percebe? Duas opiniões afins não se sobrepõem, se encaixam.

— E a diferença? O que seria a diferença, então?

— Princípio, Ernesto. Se o ponto de partida de um não encontra lugar no outro, a relação de semelhança é inviável. São triângulos com ângulos não-coincidentes, está lembrado? Em outras palavras: se acredito em Deus, e você, em Atena, a semelhança sempre poderá acontecer. Ou melhor: não acredito em Deus, mas chorei numa capela de Sofia, entende? Não há princípio nosso que não nos emocione. Isso faz de Sponville um admirador de Spinoza, por exemplo. Os dois não pensam igual, mas acumulam afinidades. Um é ateu, o outro se ajoelha diante da beleza de Deus e da Natureza. Sponville é capaz de elogiar Epicuro e Lucrécio, sem contradição alguma. Você sabe bem.

— Sei e gosto do raciocínio, apesar de achar falha a analogia geométrica. Sugiro o caso da relação entre quadrado e retângulo. Os ângulos são iguais, mas, geometricamente, jamais chegarão a ser semelhantes, não é isso? Um quadrado é sempre equilátero. No dia em que o retângulo quiser parecer um quadrado, terá se convertido num quadrado, sem caminho de volta. Não sei se estou sendo confuso, ou exato: matemática não é mesmo minha praia.

— Confesso que estou dobrado – riu Víctor, abandonando a improvisada teoria, callejera. Seja como for, acho que você me entendeu. Não usemos “diferença”, “coincidências”, então... Falemos apenas dos princípios. Se eles se entendem, há indício de comunhão.

— Sim, estamos de acordo outra vez. Contra minha vontade – sorriu Ernesto, em dúvida sobre o dia em que teria fim tamanha inquietação.

Wednesday, January 17, 2007


O sol, às vezes, muda de cor. De pequeno, imaginava que a culpa era da sombra. O azul claro, o escuro. Com o tempo, aprendi que muita coisa é capaz de escurecer o verde-água. Que foi, em alguns desenhos, a cor predileta. Quando abria um estojo novo, com os lápis arranjados, em escala mais bonita que o arco-íris. Então, veio o patinho feio, o cão vira-lata, o albino, o vitiligo, o cor de fogo, a dívida compulsória de quem brilha diferente. Veio também a desilusão, traduzida como a perda da graça de coisas importantes. Em castelhano, é mais ou menos isso. E assim. No Manual da turma da Mônica, tive a chance de colorir a idéia dos outros, pintando o mundo com as cores que me refletem. Mas num desenho de 86, a sombra pisou pela primeira vez, e meu sol ficou mostarda. Insisti em gostar do amarelo, acima de todas as noites escuras. Fico em dúvida de vez em quando. Nenhuma cor é para sempre; explicaram que o sol morre, explodindo, a cada dia. Quando for sem luz, não serei mais. Sorte a minha. Em dias de tempestades tão cinzentas, faço força; vale a pena provar a resistência de um vermelho. Utópico.

Monday, January 15, 2007

Dois momentos para um respiro. Sem ordem, com algum ordenamento, os passos acontecem, seguidos uns dos outros. Quando a luz apaga, me afasto, correndo de volta no mínimo sinal de recuperação. Aprendi que, claro, enxergo melhor. Sem entender. O nome explica pouco; nada diminui o campo aberto, esse deserto, anonimato. Eterno, se o eterno dispensa precedência. Sou para sempre quando o que eu sou existe pleno, destacado de todo antes e de todo depois, no limite do momento em que estou sendo. Eternidade é assim, infinita, até onde o olho alcança. Contradição em quatro raias. Meu nome não me explica a ninguém. Nome nenhum explica. Me-sa. Fa-xi-na. Re-cei-ta. Batiza cada nova invenção, sem sentido algum. Sempre pequeno, gigante o mundo estrangeiro, disponível como meu maior motivo.

Tuesday, January 09, 2007


Numa manhã de sol, os olhos ficam pequenos, enjoados de paisagens tão claras. Saímos de casa em busca de sombra, porque o calor desfaz em partes, e queria ter certeza de que viverei inteiro. Mas não é. O paralelepípedo na calçada da esquina está sempre fora do lugar. Era para ser uma guia lisa, plana e colorida. No sonho bom da noite bem dormida, buraco nenhum desvia meu caminho. Vesti a camiseta “amigo piedra”. Em La Plata, as nuvens são pequenas. Perto do mundo, que fica grande. Nas minhas férias de outono, vou arrebentar a cerca. A maior praia do mundo existe em Bangladesh. E a gente passa a vida querendo apostar o presente na onda suja do nosso litoral norte. Olhando a risada dos outros, e de cara cheia, até pensei em acreditar. Arrumadinha, passa sem susto. O Pingo d’Ouro da clínica de cirurgia plástica anda desamparado, coitado. Com um ramo totalmente desgovernado. Acordei mais jovem em dois mil e sete. Os bolsos da calça me contaram, querem pesar com novidade. Começaram a escorrer, manchando a bainha; dei risada. A calça arrastou no chão, descobri um Broken Social Scene latino. “É isso”, pensei, “quero atravessar esse ano com roupa manchada”.

Sunday, January 07, 2007

"Todos nós, sub specie aeternitatis, somos de algum modo um fracasso, sem exceção." (O reencontro, p. 82)

"Em suma, eu concluo que todos os indivíduos, não só os grandes, mas até aqueles que saem um mínimo dos trilhos, isto é, que têm a capacidade, ainda que mínima, de dizer alguma coisa nova, devem ser, por sua natureza, forçosamente criminosos - mais ou menos, é claro. Caso contrário seria difícil para eles sair dos trilhos, e em permanecer nos trilhos eles naturalmente não poderiam concordar, mais uma vez por sua natureza, e acho até que nem os macacos concordariam com isso. Numa palavra, o senhor percebe que nesse ponto não há nada de propriamente novo até hoje. Isso já foi publicado e lido milhares de vezes. Quanto à minha divisão dos indivíduos em ordinários e extraordinários, concordo que ela é um tanto arbitrária, mas acontece que eu não chego a insistir em números exatos. É só na minha idéia central que eu acredito. Ela consiste precisamente em que os indivíduos, por lei da natureza, dividem-se geralmente em duas categorias: uma inferior (a dos ordinários), isto é, por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes; e propriamente os indivíduos, ou seja, os dotados de dom ou talento para dizer em seu meio a palavra nova. Aqui, as subdivisões, naturalmente, são infinitas, mas os traços que distinguem ambas as categorias são bastante nítidos: em linhas gerais, formam a primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza, corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. A meu ver, elas são obrigadas a ser obedientes porque esse é o seu destino, e nisso não há decididamente nada de humilhante para elas. Formam a segunda categoria todos os que infringem a lei, os destruidores ou inclinados a isso, a julgar por suas capacidades. Os crimes desses indivíduos, naturalmente, são relativos e muito diversos; em sua maioria eles exigem, em declarações bastante variadas, a destruição do presente em nome de algo melhor. Mas se um deles, para realizar sua idéia, precisar passar por cima ainda que seja de um cadáver, de sangue, a meu ver ele pode se permitir, no seu interior, na sua consciência, passar por cima de sangue - todavia, conforme a idéia e suas dimensões - observe isso. Aliás, não há motivo para muita inquietação: a massa quase nunca lhes reconhece esse direito, elas os justiça e os enforca (mais ou menos) e assim, de forma absolutamente justa, cumpre o seu destino conservador para, não obstante, nas gerações seguintes, essa mesma massa colocar os mesmos executados no pedestal e reverenciá-los(mais ou menos). A primeira categoria é sempre de senhores do presente, a segunda, de senhores do futuro. Os primeiros conservam o mundo e o multiplicam em número; os segundos fazem o mundo mover-se e o conduzem para um objetivo. Tanto uns quanto os outros têm o mesmo direito de existir. Numa palavra, no meu artigo, todos têm direito idêntico e - vive la guerre éternelle - até a Nova Jerusalém, é claro!" (Crime e castigo, p.269-270)

Thursday, January 04, 2007

No dia seguinte, o passo do dia seguinte. Sendo depois, desprovido da consciência de que o dia depois supõe o dia anterior. Cada passo. Cada ameaça. Sempre um novo risco. Proíbo que aconteça de novo. A decisão é hoje, porque o hoje há de ser amanhã, sendo ontem também. Daqui para frente, assumo responsabilidade pelo medo e pelo receio. Já não haverá quem responda por mim. Os créditos, as renúncias. Não vão falhar em meu nome. Quero a culpa sobre o que eu faço. Culpa realmente minha. Num céu de nuvens não há segunda vez. No limite do tempo de escolha que me permitem, quase no dia da decisão, vou preferir continuar no eixo que sempre me atravessou. Não vou dizer adeus nem goodbye. Vou seguir, apenas. Às vezes, mais cansado. Quieto, talvez. Se eu pedir licença, será por pura educação. Ou por aqueles que, surpreendido, verei ao longo do caminho. "Tu também? Achei que fôssemos menos em número e muito menores em coragem".

Tuesday, January 02, 2007

O melhor do ano

Monday, January 01, 2007

O futuro não virá em 2007


- E por que Patagônia?
- Não sei. Pela beleza árida, pela proximidade. Porque não quero ficar parado; minha lei de vida é achar que nunca terá bastado. Que sobra mais, que jamais chegarei a alcançar. Minha vontade precisa ser pequena perto da oferta de mundo. A vida tem que ser vivida com a convicção de que não será suficiente.
- Suficiente?
- Um universo infinito esperando por mim. As pessoas, que são sagradas, que encantam pela palavra, ou pelo gesto desconhecido. O "pode ser", um verbo na condicional... Dependo das minhas incertezas.
- Mas você não pode ver isso tudo de onde você está?
- Comentei uma vez: sempre estaria melhor em algum outro lugar.
- Na Patagônia?
- Por ora, sim. Mas logo haverá alguém me esperando numa estação em Tartu. Numa tarde de sol, aflita, modificada pelo tempo que não deixa de passar.
- Você pensa em ficar em algum lugar?
- Prefiro pensar que os lugares, e as pessoas, ficarão em mim.
- Você não respondeu: dá para ser novo, sendo diferente, sem sair do lugar?
- Já vi gente tentar. Eu mesmo. Não sei... A gente desiste, por medo de chamar a atenção. E fracassar.
- Não entendo.
- Entende, sim. Pode parecer distante, mas preferimos estar com os outros, como os outros, porque, de alguma forma, são aposta de uma espécie que quer durar. Em grupo, no abrigo do número, fica menor o medo de continuar. Poucos indivíduos suportam a responsabilidade sobre um futuro incerto e diferente.
- Mesmo?
- A mutação, tão bonita pelo anúncio da espécie nova, quando falha, paga preço alto, que é a própria sobrevivência.
- Não queremos o risco de provar a diferença?
- Não. Definitivamente. Igual aos outros, sofreremos, quando muito, como todos os outros. Juntos, à custa de muita dor, sorrimos, absolvidos pela insegurança que é de toda a espécie.
- Você acredita num homem do futuro?
- Acredito na Patagônia, no xale de cor diferente que existe ali. Acredito num tom de azul que toca a terra, avermelhada. Num dança circular, num pop seduzindo um pedaço de terra distante. Num piado que soa à novidade. Acredito que o homem do futuro, se houver, haverá para arriscar, para gritar e chorar em nome da própria independência. Esse homem, que você convoca do futuro, será mais homem na medida em que não matar outros homens pela necessidade de se autoperpetuar. O homem por vir agirá pela espécie, cada vez mais consciente. O amor prevalecerá sobre a paixão, e a história revogará o protagonismo da natureza.
- Você já conheceu um homem do futuro?
- Nenhum esforço meu me tirará da condição da vida no presente... Mas li a respeito, em ocasiões muito especiais. Por enquanto, homens assim só existem em nossa fantasia.
- Curioso: nascer mutação, nesse sentido, tem imensa poesia.
SUBLINHEI EM 2006

"... estando na universidade, quase não tinha colegas, esquivava-se de todos, não visitava ninguém e recebia raramente em seu cômodo. Aliás, logo todos lhe deram as costas. Ele não participava das assembléias comuns, nem das conversas, nem das brincadeiras, de certa forma não participava de nada. Estudava com intensidade, sem se poupar, e por isso o respeitavam, mas ninguém gostava dele. Era muito pobre e de certo modo soberbamente orgulhoso e não comunicativo; como se ocultasse algo a respeito de si mesmo. Aos outros colegas parecia que os via, a todos, como crianças, de cima, como se julgasse todos pelo desenvolvimento, pelo conhecimento e pelas convicções, as quais considerava inferiores às suas." p, 66

"Eu falava que a vida em sociedade exigia pequenas e às vezes grandes renúncias. Que exigia a degola da inação, eu costumava dizer. Que exigia até mesmo o abandono precoce da sanha infantil, costumava acrescentar." p. 54

"Sem alma, só haveria o presente; e se não houvesse mais que o presente, não haveria tempo". p.29

"Éramos amigos e agora somos estranhos um ao outro. Mas não importa que assim o seja: não procuremos escondê-lo ou calá-lo como se isso nos desse razão para nos envergonhar. Somos dois navios, cada um dos quais com seu objetivo e sua rota particular; podemos cruzar-nos, talvez, e celebrar juntos uma festa, como já o fizemos - e esses corajosos barcos estavam lá tão tranqüilos, debaixo do mesmo sol, no mesmo porto, que se teria acreditado que tinham alcançado o objetivo, o mesmo destino. Mas a onipotência de nossas tarefas separou-nos em seguida, empurrados para mares diferentes, debaixo de outros sóis - e talvez nunca mais nos voltemos a ver: mares diferentes, sóis diversos nos mudaram! Era preciso que nos tornássemos estranhos um ao outro: era a lei que pesava entre nós; é exatamente por isso que nos devemos mais respeito. Para que a idéia de nossa antiga amizade torne-se mais sagrada! Há provavelmente uma formidável trajetória, uma pista invisível, uma órbita estelar, sobre a qual nossos caminhos e nossos objetivos diferentes estão inscritos como pequenas etapas; elevemo-nos até este pensamento. Porém, nossa vida é demasiado curta, e nossa vista, demasiado fraca para que possamos ser mais que amigos, no sentido em que o permite essa sublime possibilidade... Acreditemos, então, na nossa amizade estelar, mesmo se tivermos de ser inimigos na terra." p. 145

"Una mano. Un abrir y cerrar. Difícil de justificar. O alzada para espantar a una mosca. Pero, si no hay moscas. Entonces, por qué no hacer que las haya? La tentación es fuerte. Para que las espante. Una mosca viva confundiéndolo con un muerto. Enterada de su error y renovándolo incontinente. Qué aportación a la compañía! Una mosca viva confundiéndolo con un muerto. Pero, no. No espantaría a una mosca." p. 27

"Un diós sin recompensa ni castigo, un diós sordo es la única imaginación religiosa de los hombres en rebeldía." p. 43

"También pienso en aquello de lo que no hablaba: algún secreto insignificante nunca revelado - no por pudor, sin duda, sino, lo que es equivalente, porque el material lingüístico del que disponía era demasiado reducido para exponer lo esencial, y su orgullo demasiado inflexible para permitir que lo esencial se encarnara en palabras humidelmente aproximadas -, algún exceso del espíritu en torno a un boato irrisorio, un deleite vergonzoso por todo aquello que faltaba." p. 21
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