Thursday, December 27, 2007

Sentado há coisa de 20 minutos, observando a sala, tentativa frustrada, sem jeito de integrar a comemoração. Vinho servido, o copo não chegava a estar vazio. "Tem mais esse, Rafael". O zunido piorava em festas de Natal. E como. Natal foi muito feliz - antes. Enfrentar o gosto diferente de uma recordação tão doce era duro demais. A expectativa existia. Nada muito diferente da palavra "menta". Quando descobriu por primeira vez, foi numa bala esverdeada, presente do vovô. E que delícia! Natal foi assim, lembra. Quando entendeu que se repetia, chegava com presente e imensa alegria. Na casa de uma tia, morta há anos já. "Seis, sete, oito" - a decoração da sala (do Natal de hoje), apinhada de "patinhos", madeira, barro, metal e porcelana. De todos os tipos, poses e cores. A taça cheia de novo, a sede na boca, a distância. Quanta coisa partida. O sagrado, o profundo, agora num e-mail impresso, texto no formato de pinheiro, "circulou pela internet". Que bom preferir as broncas da tia Celina, numa ceia perdida em 78, "não tira o enfeite da árvore, garoto". Ah, soubessem. Quando
falta conversa, José Maria vai até o quarto e busca um e-mail novo, "esse é ótimo também, curioso como a gente pode ler de trás para frente". Que pena - só agrado, o anfitrião cheio de cuidados com a pouca intimidade entre os convidados. Rafael levantou, um pouco zonzo, sua única contribuição, ou mesmo "seu presente de Natal", haveria de ser a revelação da possibilidade de uma festa nova, longe dos moldes caquéticos do ritual que murcha com a vida em idade contada. O elogio do amor, a beleza da vida, a necessidade de fantasia, a comunhão entre seres frágeis, interdependentes e tão carentes de explicação. "Amem, senhores, o teto da casa que zela sua insistente falta de companhia, as paisagens, os amigos mais sinceros, a delicadeza das coisas que chegam do coração. Digam sim à ilusão, a todas, todas as formas de criação; às melhores músicas da vida, à melodia repartida, à poesia dedicada a ela, à prosa inundada de mundo e de paixão. Meus queridos, não percam a chance de fazer dessa noite um risco de aproximação. Vocês, meus caros, com tudo que têm, que jamais chegaram a dizer - celebrem o nascimento e a morte de vocês, e de mais ninguém. Porque o mundo não deixa de vir, queridos enferrujados. Nenhum segundo é virgem de novidade; a natureza é o milagre da multiplicação. Natal - subiu a voz, bem mais aguda -, Natal, camaradas, Natal sou eu, o que veio comigo e o que, com muita dor - e admiração -, permanecerá e duplicará sem mim." O espanto emudeceu os convidados, nona ou décima taça vazia, o vinho: depois do aquecimento de três doses de Ballentine's, a uva. O quadragésimo segundo patinho estilhaçado no chão - "era da vovó Lica", inconformada a dona da sala. Quase a segunda morte da velha. "Rafael, meu bem. Rafael, você derrubou o enfeite, querido." Assustou. Ajeitou os braços nos braços da poltrona. Estivera sentado o tempo todo. Sentado ausente da conversa, na promessa de uma reunião diferente, num nascimento fora dali.

Friday, December 21, 2007

Sentou. As caixinhas de som: "on". "Navidad", Juan Stewart. Tem gente que passa a vida disfarçando a vida num balcão de bar. Ou trai a dor com uma dose de comprimidos, uma solução abençoada - medida e alucinação. Nele, a cura para tanta ausência, a admissão do fracasso de grandes doses de fantasia... Só cobrava lágrima. E emendava texto. Quando sentava para escrever um parágrafo, ou mesmo um conto inteiro, enxugava o excesso de água dos olhos. A narrativa de um amor acontecido, de uma amizade em tentação; a narrativa do tempo, o registro da saudade - tratava com o pranto. Que lava a alma. E põe para dormir em paz. Feito criança. Grande, com a consciência do fim.

Thursday, December 20, 2007

O caminho do aeroporto sempre doeu em mim. Fosse ida, chegada de algum lugar. Largada de um sonho ou saudade de um projeto longe daqui. Dessa vez, não viajei. Decidi: "táxi, Cumbica, por favor". Mochila nas costas, quem sabe eu mude de idéia. "Não", disse a moça do balcão da Gol. "Estamos sem lugar no vôo que sai para Santiago". Deixei a fila, segui até o McDonald's, com vista torta para a pista de pousos e decolagens. Pedi um número 6, batata média e água de coco. Fiquei 10, 20, 50 minutos, talvez. "Se houvesse passagem". No caminho de volta, "venho de Santiago", o taxista me ouviria dizer. O que não é vontade de mentira? Vontade mentirosa, não: "desejo de mentira". Aí, desci a escada rolante, assobiando a faixa número dois do segundo disco do Juan Stewart. Olhei o painel: chegadas internacionais. Vindo de Santiago. Arrumei a bagagem no ombro, "é bom demais estar de volta". Quando faço um caminho pela última vez, gosto de saber que não haverá mais nenhuma. Em Madrid, soube que voltaria. Lisboa vai acontecer. E Tietê avisou que não será de novo.

Wednesday, December 19, 2007

- Tem punição?
- A aventura de ser feliz?
- A ventura...?
- Quando ele decidiu gravar o mundo no papel, desenhando, levar o tempo contra o tempo; quando fez força para não esquecer. Uma foto mesmo. Uma tatuagem - até.
- Só para lembrar.
- Não esquecer.
- Mais ventura.
- E o que a gente escolhe? Como e o quê gravar?
- Na pele?
- Ou numa fotografia...
- Como deixam saudade.
- Certas coisas deixam sim. Um nome. Ou a mera possibilidade.
- Fotografia.
- Ou tatuagem.
- Então, ela insiste em dizer que você anda muito sozinho?
- "Habitante demais de mim. De-mais, de mim. Ausente no mundo." - foi o texto que ela usou.
- E é ruim?
- Necessariamente?
- Não sei. É?

Quando conversava, prestava atenção dobrada para adivinhar o rumo da conversa. O diálogo antecipado era outro modelo de solidão. Quase um "ele com ele mesmo". E não sabia: se bom ou ruim. Mas era, tinha tempo, sendo cada vez mais. Das vezes em que subiu num ônibus sozinho. Em que leu um livro, viu uma peça, jogou Sonic, escreveu um texto, montou um site, nadou no escuro, fumou cigarro, fumou maconha, voltou o filme, dançou no quarto. Viajou, pisou mais longe, entrou, saiu, experimentou, falou, tocou, tentou, chorou, abriu, perguntou, sonhou, desfez, montou e apreendeu. Ou gozou, sozinho.
- Necessariamente?
- Acho que sim.

Tuesday, December 18, 2007

- Ah, você fez, pai? E por quê? Tudo isso, os amigos de longe, a festa, a canseira, a música, a vinda, a volta, a língua combinada? Por quê?
- Me fiz essas perguntas, Vítor. Mais de uma vez. E só imaginei uma justificativa: maneira de ser feliz.
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