Saturday, February 28, 2009

Cidinha,

Deixei o cordão na mesinha do escritório, junto do abajur. Talvez você precise queimar a cabeça para desenrolar. Por favor, não deixe o Pedro chegar perto. Estou saindo agora, devo ligar amanhã à tarde. Se faltar missanga, a Vânia completa com cetim verde. Não se preocupe.

Um beijo, querida.

C.
Algumas noções me confundem. Dezembro ou abril. Em março, morro um pouquinho a mais. Tem aquela hora do dia em que escolho uma música de meses atrás, você sabe como é. Sinto falta de um Pastor Alemão, o Johnny, 87. Não sei o que tenho comigo, o que os outros deixaram na minha mão. Paguei R$80 por um canudo com 42 algodões doces. Mudei minha frase favorita do Nick Drake. Ainda estou procurando o número da Fernanda.

Friday, February 27, 2009

Encostou a porta e disse baixinho, olhando para o chão, sem olhar para trás: palavra de amor, não, por favor. Segui seus últimos passos, os últimos que restaram através da fresta. E a única frase minha que lembrava ter dito, não se preocupe comigo, Eli; não se preocupe, não.

Wednesday, February 25, 2009

Sandrinho separou dez minutos do Carnaval para olhar o céu. Quando me contou, ontem à tarde, fiquei com a mesma vontade. Venho da noite lá fora. O vento de chuva limpou as nuvens; São Paulo nunca tem estrelas. Senti frio e tive saudade. Bom samba é dança da solidão.

Sunday, February 22, 2009

Agora há pouco, Isabel logou no gmail para checar a caixa de entrada. Com o peito costurado e tremenda melancolia, constatou que todas as suas senhas, sem exceção, homeageiam pessoas, músicas e coisas das quais gosta muito. Pensando, entendeu imediatamente o motivo: difíceis, bem difíceis de esquecer.

Friday, February 20, 2009

Eliana está no oitavo degrau da escada de saída da Estação Marechal Deodoro. Tem os olhos molhados. O dia não foi bom. Descendo do vagão, rapaz na porta - "saindo", perguntou. "Não, entrando, dã", agressivo; Eliana não é uma porta. Eliana, os amigos todos ficando velhos. A Heleninha separou, até. Lembra quando almoçaram juntas em seu primeiro dia de trabalho. Sem grana, pediu um pão de queijo e uma água com gás. "Não, não, imagina, não estou com fome mesmo". A vida é um fracasso, pensando Eliana, outro degrau. O primeiro namorado, que era para ser o último, porque seria para sempre. Foi o único. O cheiro da pizza, agora, logo na saída da estação, convencida, meu Deus, nunca mais a mesma pizza da mesa cheia na casa da tia Cecília. Preocupada com a quinta parcela do sofá novo da sala. O verso da daquela música do Gil errado na cabeça. Leite de soja é horrível. Triste, Eliana, ninguém olha, ninguém paga um centavo por mim. O dia orçando remédios e produtos farmacêuticos. Sem mérito nenhum na vitória da licitação do mês passado. Se foi só por minha causa, barbaridade, se fui eu que dei para o João Paulo, óbvio. Eliana abre a bolsa, remexe. Não usa fósforos faz tempo. Acende o cigarro. Atravessa na faixa. No resto de lona que enrola o mendigo, "sobrevivência". Detesta chegar penteada. Bagunça a franja, desarma a divisória. Dor de cabeça, vou ficar gripada. Separa a água, caneca nova, duas aspirinas, glub, glub, glub. Não faz mal.

Tuesday, February 17, 2009

Naquela rua, na primeira vez, olhei para a direita, para a esquerda, esqueci diversas coisas, comigo para sempre. Meu braço, os pelinhos eriçados, tudo pra cima, querendo o céu, esse paraíso que parece tão longe dos que olham daqui da terra. Estava em silêncio, dias de saudade, meus pares, interlocutores, distantes. Quando entendi que era para ser eu comigo mesmo, uma cidade acidental, improvável, aqui, aqui, eu disse, aqui, aqui, enquanto andava, à noite, a mão no peito, volto para cá antes de morrer. Promessa entre mim e eu, sabia de tudo, tudo e toda a falta, mais tarde, quando eu lembrar. Vinha de um restaurante vegetariano, travessa da rua mais turística da cidade, agora lembro, lembro, subindo a escada, uma cortina, bambus logo na entrada, entro, entrei. E peço uma mesa, segundo andar, um hostel internacional. O cardápio em inglês. Spaghetti com brotos e vegetais que não reconheci. O doce na boca, na ponta, ficou. E caminhando à noite, abril, vento gelado, com nome de garota, garota, minha companhia, acho que é para eu me casar com cidades diferentes, doutor. No meio do caminho, a volta cronometrada, tudo vai ser tanto para mim, a luz no museu de arte nacional, os carros passando na frente, a igreja russa, cúpulas de desenho da Disney, espero ver outra vez, de perto, porque tenho isso de precisar experimentar o mundo bom hoje e amanhã. E abraço o casal encarregado do pequeno hotel, vagabundo, rosa, é a despedida, sobre a padaria, vou para a estação central, sou do Brasil, o passaporte é que é espanhol. E a maior coragem, entendo, coragem de todas, é inconsequência, acaricio o risco que gruda como cicatriz, no meu corpo, depois. Ir pro mundo, eu vou, perdido no ônibus, recém-chegado, pica, pica o bilhete, a senhora me indica, ou o fiscal vai multar você. Ela falava em cirílico, eu ouvia em latim. E a gente disse - e respondeu. Lá em cima, uma estátua dourada, enxerga? Zelando as pessoas lá embaixo, a primeira a molhar em dias de tempestade. Não vou dizer nada. Quer dizer, vou sim.

Tuesday, February 10, 2009

E depois? Depois, tomo uma decisão. E entendo, caramba, entendo que, decidindo, envelheci.

Não sei, mãe, pode ser pistache, ou coco queimado, escolhe pra mim.
Ana Helena saiu por essa porta; não disse uma palavra. E me lembrei, imediatamente, como se uma coisa guardasse relação direta com a outra, talvez guardem, do dia em que me dei conta de que meu medo de barata era o medo dos outros. Herdado. Depois, claro, aprendi perfeitamente a ter cuidado com os outros. E menos receio das baratas. O Ciff, na pia da cozinha, ajudou bastante. A gente se desentendeu ontem. Tempo já que o humor não anda igual. Estou bem diferente. A gente muda com a idade. Muda? Ou não adia? Passo cada vez mais horas na cozinha, fazendo história com a louça do jantar. Se fico na sala, tv, ela reclama. Se vou para o quartinho, música, danço pouco, em alerta; me sinto um pouco vigiado. Entender. Diz tanta coisa, tão sem sentido. E fico olhando os peitinhos que cruzo durante o caminho, no banco de carona. Isso não mudou: continuo sem dirigir. Estranho, incômodo, depois de tanto tempo juntos. Para ser mais fácil. Quero silêncio e solidão. Preciso escrever mais. Mas ando confuso e apertado, o peito embrulhado, os dedos e as pernas sempre trançados, pedido de sorte, quando não é apenas nervoso. De estar errando. De ter errado 9 anos atrás, no dia em que conheci; três meses atrás, a decisão de insistir, minha vida, Fabrício, minha vida, doutor, na sessão de terapia, ontem, que o George recomendou. E volto para casa com pouco apetite. E leio por mais tempo, com menos atenção. A página 1, a página 12, a página 1 e a 26. Sedentário, passos controlados. Não tenho desejo de sair do lugar. Um tudo igual que me enche de preguiça. E fico sem vontade de ver um filme novo. E saudade de alguns amigos, eita; esqueci, não atendi e foi assim. O número ficou errado na agenda. Ela fala em filhos. Vejo fotos de Barcelona. Saio para uma volta, pensando na palavra, volta, volta, vai e volta, se a vida é para terminar no mesmo lugar. Tem aquela canção linda, "Baleia", e a voz da Laura Wrona, soprando aqui no quarto, quero ver se durmo antes de ela chegar.

Monday, February 02, 2009

Jorginho está sentado, na fila, esperando sua vez. O salão, ainda à moda antiga. Folheia duas revistas. Prefere sempre a de mulher pelada, sem graça. Por isso, começa com a de carro, chata, chata demais. Anos mais tarde, muito mais tarde, o "chata" da primeira virará "chato" na segunda, se me entendem. Incomodado com a demora, levanta para pegar um copo d'água. Escolhe a gelada. De volta, olhando o pai, percebe o jeito como cruza as pernas. Tinham dito na escola: "de menina". Porque ficava coxa com coxa, não canela no joelho. Disfarçando surpresa, pergunta, é novo, pai, apontando o tênis, visivelmente desgastado. O pai muda a posição, quem sabe Jorginho reconhece o M2000. O menino se senta novamente, menos preocupado. E põe um chiclete de maçã na boca. Tnhá, tnhá, tnhá.
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