Saturday, November 22, 2008

Voz que escuto na minha cabeça é minha voz. Em silêncio. Diz tanta coisa. Coisa demais. O efeito é um emaranhado. Quase a fórmula de Química Orgânica; nunca cheguei a entender. Há alguns dias, três notas passeiam aqui dentro. E tenho a clara sensação de que a música ecoa de um lugar perdido entre o cérebro e o coração.

Thursday, November 20, 2008

Entrei, sem jeito, difícil não ser cliente habitual - e chegar sozinho. A melhor alternativa: fingir que foi tudo casual; primeira vez, aqui, estava subindo a rua, vontade de um rodízio. Tem? Sentado, marcando a comanda, a quantidade de cada coisa, cobram o desperdício, mas pode repetir quantas vezes quiser. Ah, senhor, esqueci, o shimeji, um por pessoa, único que não pode repetir, certo? Shimeji ou shitake, o cliente escolhe. Escolho e como, um a um, com gosto, arroz e muito salmão, prefiro.

Coisa de 12 minutos, não mais, duas clientes consultam, outro dia, um cachorro ali no canto, posso? E se sentam, porque é calminho, as duas numa mesa de canto, no banquinho almofadado, na varanda, bem aqui, de onde eu vejo tudo de perto. O salsichinha teria chamado a atenção, não fosse a dona, protegida, protegendo, exageradamente familiar, convencido de não tê-la visto antes, de maneira nenhuma, igual ou diferente. Não tiro os olhos, fiquei na dúvida se do decote, ou do rosto, conversando, ciente da minha espionagem, disfarçando apenas, aquele rapaz não pára de olhar, sem dizer, com vergonha do ciúme que a amiga poderá sentir.

Mais e mais inquieto, estranhando, sei que é de algum lugar, conhece, a gente, ela e eu. E, então, de sopetão, o shoyu respingando, a camiseta meio sumiê, encaro, sei já, leitora do meu blog, do que eu escondo, e revelo, das histórias que invento, mais essa daqui, absolutamente seguro, é ela, sou eu, a vulnerabilidade dos que se lêem, pensei, nunca imaginei. E ela sabe quem sou, definitivamente. E escrevo para ela, sem planejar, e com a menor idéia de quem seja. Mas é.

Levanto, tímido, covarde, quem especula sobre o que sou, leitora, não saia do papel, a mesa, aproximo, vou perguntar as horas ou pedir a soja light, novamente invento, pensando no próximo texto, um post verdade, imaginação. Por favor, já sei, ela responde, fico mudo, é que, não, não, percebi já, domina a situação; meia hora, olhando, já vi, retruco, perdão, pensei, sensação de que conheci; sim, sim, anos atrás, fizemos juntos o cursinho para Humanas, lembra?, me decepciona.

Desencantado, abaixo a cabeça e despeço-me com um obrigado recolhido e fosco. Ela sorri irônica, assustando, sílabas altas, um prazer revê-lo, Rodrigus. E entendo que, generosa, assim como eu, dançando o jogo da ficção. Me lia.

Friday, November 14, 2008

Contornando o Sena, o vento desenhando meus braços, se eu vou sentir saudade. Na minha parede lá de casa, o primeiro e o segundo quadro, brancos, pra você. Do lado de trás, o letreiro do barco, sem conseguir ler, ou entender, é muito ruim o meu francês. E me lembro do festival que vi em Montreal, o encantamento com um grupo porto-riquenho, pergunto de novo, ou volto assobiando até o quarto do hotel, onde a página 63 de Mais ao sul me faz sentir um frio tremendo. Quando estive aqui, da primeira vez, as banquinhas lá para cima, os livros do século passado, e do outro, na mão de quem peguei quando paguei só três euros por um Balzac que não li, impossível no original. Sentado, agora sentei, olho um senhor atravessando a ponte, um médico, suponho, ou um mágico aposentado, fantasio, na foto que enquadrei; sépia me faz pensar no dia em que um cachorro meu morreu, fugindo. No restaurante da pousada, aconteceu uma coisa, Fernando, a gente longe de casa, mamãe tem que contar, meu filho, eu sei, respondi, porque eu sabia, absurdo pode ser, o Zico morreu. E mamãe olhou espantada, depois esqueceu, mas eu sempre lembrei porque foi alguma coisa sem explicação. E quando entrei numa igreja descascada de Ouro Preto, não senti nada; inesperadamente fiz o sinal da cruz e disse "meloço" no lugar de "amén". Jeito que fazia o pequeno Yorkshire deixar a rosquinha de osso na minha mão.

Thursday, November 13, 2008

Daniela, esse trompetinho que o cara toca aqui embaixo é Durutti Column, não é?

Repete, Sílvia, repete. Você tirou a sua fala de Silvia Prieto, foi?

Lívia, essa frase aí na parede é Cronopios y famas?

Essa música toca em Lucía y el sexo, lembra, Ju?

Vânia, como você soube que estava procurando Suicidios ejemplares? A Lília comentou alguma coisa?

Opa, se lembro, Alê. Vi no Tusp, coisa de 3 anos atrás.

Wednesday, November 12, 2008

Depois de muito tempo, encontrei o Marcelo, velho amigo, dos tempos de faculdade. Estava com uma moça simpática, a Bia, cabelo no ombro, escuro. Convidaram para uma cerveja, meio de improviso. Só uma, hein? Preciso terminar um trabalho de tradução para amanhã. Receio de interromper alguma coisa. Sentei, contei sobre o que andava fazendo, o ano que passei na Dinamarca, meus empregos informais, o fim do namoro com a Flávia, o fio narrativo do romance que vinha tentando escrever, a bagunça do arpartamento, pequenininho, meio amontoado, aluguel em conta. Falei do último jogo que tinha visto no estádio, tempo já; da Manuela, mãe solteira; da feira de móveis de segunda mão organizada perto de Vinhedo, da nova linha de metrô, da exposição do MAM e do casaco que estava vestindo, velho, uns 5 anos, acho. A Bia falou do bolinho de arroz, retruquei com a melhor receita da minha mãe. Em seguida, falei de uma viagem que estava planejando para Caracas, loucura mesmo, atravesso a fronteira a pé. Demos risada de algum comentário na mesa ao lado, como nos tempos do bandejão, não sei como a Bia ria sete anos atrás. Quando estava para me levantar - na verdade, apertado para ir ao banheiro -, o Marcelo deu um tapinha na mesa, espécie de ponto e vírgula na fala, emendando que

a vida é a vida, Luís.

E por absurdo que pareça, sabendo pouco da vida, parcialmente distraído pela pressão na bexiga, entendi perfeitamente o que o Fumaça quis dizer.

Tuesday, November 11, 2008

A vida muda o curso num corredor de supermercado. Ou numa pista de dança, com emoção cafona. O sobrinho tenta alcançar a prateleira com um cereal de soja. E pede ajuda. Confuso, porque ama demais, diz: "pai". E você se dá conta de que talvez mereça um filho. Naquele sobrado apertado, o desespero de que jamais será para sempre, um balcão e a oitava cerveja. Cambaleante, atravessado pelo entorno, completamente inacessível, Eduardo mexe o corpo, molha o cabelo e decreta felicidade eterna nos quatro quadrados que marcam o passo no chão. Ninguém. Nada explica a vida enquanto estamos distantes. Dançando.

Monday, November 10, 2008

Ela me chamou para dançar. Eu disse que em abril me mudava de país. No telefonema seguinte, estava com saudade. Numa rua gelada, aflito, respondi que o mundo faltava cada vez mais em mim. Frisei: mais velho, maior saudade: a curva do acúmulo, em determinado momento, desaba. E a gente se perde da gente, com medo do que o próximo outono terá de novidade.

Sunday, November 09, 2008

Lucas entra na sala de projeção. Ou põe o mp3 para tocar - já não distingue bem. Identifica no vídeo uma melodia conhecida. Se é um tema pop novo. Ou um hit de quando adolescente. Confuso com todas as imagens na parede, dificuldade saber se falta de legenda, ou sono bagunçado, com reflexos mútuos: os quadros da frente refletindo no vidro dos quadros de trás, no próprio quarto. Revê a intérprete que conheceu, anos atrás, numa apresentação pouco concorrida, mas seletiva, na Zona Oeste da cidade. Primeira impressão não é a que fica. É? Agora, num museu mais fino, com restaurante envidraçado e perfume francês, o auditório vermelho-extravagante, será que posso entrar? Hoje é gratuito, senhor. Isso: o tratamento dando a dimensão da importância do lugar. Não importa. Lucas pergunta ao segurança da sala à direita. E senta. Um banco alto, vermelho, de madeira, alguns obstáculos até se acomodar, completamente seduzido. Super-8 anula a sensação que teve, por muito tempo, só recentemente abandonada, de eternidade. Fazia as coisas, fazendo para sempre. Agora, ouve essa versão, tão melhorada, de uma banda que não impressionava, regra entre os adolescentes tardios da mesma idade. Enquanto assiste, sorriso nos lábios, repete: Mejorado, Mejorado. A atriz, pescada de uma cerimônia da vida real. Em seguida, recupera e põe em xeque a primeira impressão. "Tentou!". Performer e cantora, artista, impossível cachorro domesticado. Vestido rasgado. Diante das imagens, espantado, a vida de verdade, no vídeo, é pura ficção. E Magnetic Fields, ajeita o pé na tira de madeira do banco, merece essa segunda chance que recupera a permanência que não existe nas coisas.


Friday, November 07, 2008

A professora proibiu a música da minha banda favorita; estranha essa letra. Estranha? É ambígua, Rafael; ambígua demais. Entendi que o segundo sentido deixava ela úmida na sala dos professores, enquanto, atenta, passava liquid paper nas palavras que seriam preenchidas pelos alunos.

No meio do caminho, Nilton? Bem no meio do caminho, caramba? Perguntei quase mil vezes se alguém queria ir ao banheiro. E agora? Vai fazer onde? Debaixo de chuva?

A gente resolveu sair na garoa mesmo. A noite em Berlim será sempre molhada. Frio que deixa um gosto doce na boca. A gangorra de 25 metros na Potsdamer Platz, ou o creme de blueberry com iogurte servido no café da manhã.

Pequeno almoço não incluído. 11 euros por pessoa.

Meu favorito. Sim, Livro do desassossego é o maior tratado escrito em língua portuguesa.

A vovó Kika trouxe algumas louças de Sintra. Morava lá, sim. Não sei ao certo o ano em que veio para o Brasil. Mas essas duas travessas em cima do buffet são herança dela. Um avaliador andou dizendo que vale alguma coisa.

R$6? Um disco desse naipe? Separa 4, por favor.

Ana e Renato casaram-se em 1973, na Igreja Nossa Senhora do Brasil. Na saúde e na doença? Depois de 16 anos, Ana assumiu seu romance com Karina. E foram felizes para sempre.

Voltando depressa, pitada de embriaguez, que festa, Natália, que ritmo, que sofá! Aquela versão de "Always on my mind", novidade. Estacionou o carro e gritou: "Fernando, te amo, Fernando. Você é o melhor poeta que conheci. E não é gay."

Será? O Everton? Tá de brincadeira; não diria, não.

Não posso, Guilherme. Se a Dona Marta descobre, me manda embora. Ai, Martinha, larga disso, sei que tu tá morrendo de coceira. Vem, tesuda; minha mãe vai demorar para voltar.

Voltei da padaria absolutamente encantado. O melhor pão de queijo dos últimos 4 meses. Estou participando de um grupo gastronômico. Toda quinta à tarde a gente se reúne para testar receitas novas de comidas velhas. Arroz com feijão, por exemplo, ao molho de alecrim. Ou omelete com essência de agrião. No último encontro, a Ângela fez bife a cavalo com raspa de carambola. Não gostei. Dia 23, será minha vez. Pensei num pão de queijo empanado com doritos. Fiz aqui em casa. O Sérgio gostou.

Sérgio Sampaio, volta. Ouvi isso e virei fã de Cérebro Eletrônico.

Eu, não. Marisa Monte ficou pedante. Dei todos os cds.

Logo no primeiro encontro? Só se não respingar no rosto. Já ouviu falar de casos de verruga na boca?

Que horror! A Laura, professora de Matemática, falava demais. Quando escapou a ponte, passou a dar aula olhando para a lousa.

Saturday, November 01, 2008

Sandra afastou a cadeira, espaço suficiente para sair. Recolheu a bandeja; o lixo dizendo o mesmo "obrigado" de muitos anos atrás. O cheiro de Big Mac nas mãos. Oho vermelho, moleza de saudade.

Atravessei a rua confuso, carro dos dois lados e bicicleta sem equilíbrio, quase em mim. Na esquina, a placa fora do lugar. Fechou?, perguntei, assustado. Nunca vai ser pecado. No domingo, a gente insistiu. Quantos você agüenta? Eu, meu pai e meus irmãos. Não vamos esquecer a batata da mamãe. Durante a semana, o mês inteiro mudava. Se na saída da escola, mesmo com prova de História no dia seguinte: overdose de alegria. Com batata grande e Sunday de sobremesa, por favor.

Saímos correndo de casa. Visto na tevê: pegando fogo. Brasa para todo lado. Dali, mais perto que podia, ficamos mansos, admirados. Tristes também. Quando me escondi, ofendido, debaixo da cama - não era a roupa que queria para o meu aniversário -, minha madrinha ofereceu The Waves e Playcenter. Arriscou zoológico também, tinha uma foto minha, dando tchau, na frente da jaula da ema. Não quis. Até o Salad Premium falhou.

Rafaela olhou nos meus olhos. Achei que era piada. Apesar da minha surpresa, vi mesmo uma lágrima. Seis anos e meio sem comer carne. Vamos, Gui, vamos. Se tem que ser exceção, e prefiro que haja, quero o gosto que me deixa triste, temperado com saudade. Quero um Quarteirão.
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