Fui viajar até o Sul, pelo sul. Tomei um barco que saía da frente de um hotel turístico de Bariloche; um amigo me disse que eu deveria guardar dinheiro para passar ao menos uma noite ali. Do píer, de onde saímos, vi o hotel detrás de uma névoa, que se movimentava devagar, horizontal e verticalmente, num tempo diferente do do vento, que, lá embaixo, parecia mais forte, mais rápido. E fazia sol.
Quando o barco começou a balançar, a tomar o lago em direção aos bosques, aquele azul imenso, difícil dizer se era o céu refletido na água, ou a água, o brilho atrapalhava a vista, ficava difícil fazer foto, porque era muita luz cruzada, impossível perseguir o rastro dos raios: só a sensação toda.
Uma visão assombrosa. A beleza que o mundo tem; as rotas de fuga acabam sendo impraticáveis, porque a novidade do mundo desmonta a nossa segurança, tão frágil e tão dependente da certeza da rotina. Fui vendo cada dobra da água, protegendo o olho dos reflexos do sol; reparando onde a vegetação começava em cada trecho das margens; as montanhas impunham os contornos que só alguma coisa do tamanho de uma montanha é capaz de impor. O barco seguia numa velocidade média, duplicando o impacto do vento: só algumas pessoas experimentavam a área externa, por causa do frio.
Tinha planejado fazer o passeio ouvindo a música do Federico Durand. Porque, num primeiro momento, me disse ele, era só uma melodia, que foi se desenhando conforme se corporificava e virava som. Uma melodia que chamava "travessia". E enquanto eu chorava, e o vento secava as lágrimas, via tudo tão branco, o diafragma muito aberto, dessas indigestões de quando a gente come demais, o olho maior que a boca, menino.
Acho que quando o Eno fez "An ending" deveria estar, assim, engasgado.
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