"Em suma, eu concluo que todos os indivíduos, não só os grandes, mas até aqueles que saem um mínimo dos trilhos, isto é, que têm a capacidade, ainda que mínima, de dizer alguma coisa nova, devem ser, por sua natureza, forçosamente criminosos - mais ou menos, é claro. Caso contrário seria difícil para eles sair dos trilhos, e em permanecer nos trilhos eles naturalmente não poderiam concordar, mais uma vez por sua natureza, e acho até que nem os macacos concordariam com isso. Numa palavra, o senhor percebe que nesse ponto não há nada de propriamente novo até hoje. Isso já foi publicado e lido milhares de vezes. Quanto à minha divisão dos indivíduos em ordinários e extraordinários, concordo que ela é um tanto arbitrária, mas acontece que eu não chego a insistir em números exatos. É só na minha idéia central que eu acredito. Ela consiste precisamente em que os indivíduos, por lei da natureza, dividem-se geralmente em duas categorias: uma inferior (a dos ordinários), isto é, por assim dizer, o material que serve unicamente para criar seus semelhantes; e propriamente os indivíduos, ou seja, os dotados de dom ou talento para dizer em seu meio a palavra nova. Aqui, as subdivisões, naturalmente, são infinitas, mas os traços que distinguem ambas as categorias são bastante nítidos: em linhas gerais, formam a primeira categoria, ou seja, o material, as pessoas conservadoras por natureza, corretas, que vivem na obediência e gostam de ser obedientes. A meu ver, elas são obrigadas a ser obedientes porque esse é o seu destino, e nisso não há decididamente nada de humilhante para elas. Formam a segunda categoria todos os que infringem a lei, os destruidores ou inclinados a isso, a julgar por suas capacidades. Os crimes desses indivíduos, naturalmente, são relativos e muito diversos; em sua maioria eles exigem, em declarações bastante variadas, a destruição do presente em nome de algo melhor. Mas se um deles, para realizar sua idéia, precisar passar por cima ainda que seja de um cadáver, de sangue, a meu ver ele pode se permitir, no seu interior, na sua consciência, passar por cima de sangue - todavia, conforme a idéia e suas dimensões - observe isso. Aliás, não há motivo para muita inquietação: a massa quase nunca lhes reconhece esse direito, elas os justiça e os enforca (mais ou menos) e assim, de forma absolutamente justa, cumpre o seu destino conservador para, não obstante, nas gerações seguintes, essa mesma massa colocar os mesmos executados no pedestal e reverenciá-los(mais ou menos). A primeira categoria é sempre de senhores do presente, a segunda, de senhores do futuro. Os primeiros conservam o mundo e o multiplicam em número; os segundos fazem o mundo mover-se e o conduzem para um objetivo. Tanto uns quanto os outros têm o mesmo direito de existir. Numa palavra, no meu artigo, todos têm direito idêntico e - vive la guerre éternelle - até a Nova Jerusalém, é claro!" (Crime e castigo, p.269-270)
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