Existe uma Rambla em Terrassa. Ela sai de um lugar alto para dar num lugar baixo. Você consegue fazer a descida, olhando malas de pequenas lojas de chineses ou comprando flores de bolivianos. Consegue escrutar vitrines iguaizinhas do outro lado do Atlântico. Pode comer uma empanada ou um arroz temperado, se quiser. A Rambla de Terrassa tem um museu, com um ótimo restaurante.
Numa manhã úmida, de um casamento estranho entre uma névoa espessa e raios de sol muito amarelos (pelo reflexo das próprias microgotículas que hidratam o rosto, talvez), Sergi sai para pegar o trem, segurando o telefone na mão. Ninguém está chamando. Sergi desliza a longa playlist de rocks e outras canções, em busca da faixa preferida de uma semana que ficou tanto tempo atrás. Imediatamente, pensa no clipe, assistido, com fones de ouvido, diante de uma tela funda de computador. Se lembra também do dia em que, dançando a música numa pista, torceu o joelho, tanto o esforço de sincronizar com o tempo da melodia, lento, tratando de tocar o espaço todo com um corpo que sequer alcançava o casal ao lado. Fez tudo isso em câmera lenta, e, agora, tudo aquilo ficara tão curto numa vida nem tão comprida assim.
Sergi decidiu ouvir a música porque acordou com um vazio no peito. Um vazio que, na verdade, era enchente, transbordando de ondas cujo nome nunca lera em nenhum lugar. Sergi acordou com uma sensação que poderia ser descrita como vontade desesperada de sentir saudade. Sentir saudade.
Mas Sergi não sabia sentir saudade. Melhor: não sabia dizer que, talvez, a inundação no peito fosse saudade. E toda aquela discussão sobre como dizer que você faz falta longe do português do professor que conheci em Viana do Castelo.
O gelado que corria com o vento, no sentido contrário da rua larga, lançava Sergi para nós entre pessoas, tempos e espaços que, hoje, não passavam de imaginação. Ada ainda não usava batom e não tinha começado a pintar o cabelo. Cesar tinha uma coleção de livros sobre Orson Welles. Juntos, os três bebiam garrafas de cavas e tomavam sol, sem camiseta, no Vallparadis. O paraíso que habitava o nome do parque passava despercebido, mesmo quando, não declaradamente, resvalavam o braço um na pele do outro.
Sergi pensa nisso e repete, muito discretamente, inclusive porque continua caminhando, as torções da dança muscular que inventou num bar com nome em néon. De longe, encara a estação e calcula quanto tempo tem antes de ficar à disposição da curiosidade alheia, na plataforma de embarque. Conclui, aflito, que resta só o tempo da saudade. E mesmo o peito sendo um saco sem fundo, avalia, a saudade passa.
— ¿Qué pasa, Sergi? – cumprimenta Helena, vendo o amigo dançar.
<< Home