Friday, August 31, 2007

Nunca imaginei que alguma coisa pudesse atravessar a garganta por tanto tempo. Com meses, muitos, li um conto, famoso, a história de um espinazo travado no meio do caminho. Anos atrás soou fantástico. Exagerado. Hoje, apareceu um rasgo aqui dentro. Pinçadas regulares, doídas. Pensando a respeito, me dei conta de que não chegaram sozinhas. Antes, no caminho da aula de canto, teve o estalo de dedos e, bem mais importante, o assobio. Soube, não sei dizer de quando, que um homem assobiando na rua é alguém distante, no infinito da solidão. Que, em mim, deram por chamar, há muito, "egoísmo". Teve "frieza" também. Mas ainda prefiro "soberba". Eu, pelo menos. Quando assobio baixo, na cidade barulhenta, quase escrevo um texto meu. Com palavras encadeadas, pela lógica de cada uma, arranjadas, a melodia do pensamento. O assobio, a dor de garganta. Agora, estou sem saber, se dor de espinha, ou solidão. Más é física, a pontada é comprida, o peixe de terça-feira. O homem de 36 anos. Quando, à tarde, repeti, "entrando uma dor", fechando o pescoço entre o indicador e o polegar da mão direita. Os extremos, por falar pouco, ou demais. Ou por dizer o que, gratuito, não cura. E a dor permanece, efeito de um dia errado da semana, ou da vida inteira.

Monday, August 27, 2007

Falava dos anos, pedaço pequeno do tempo. E eu falava de música. De literatura também, claro. Gastava mentiras com personagens indecentes, seres de outro mundo e sonhos bizarros, meus, tudo disfarçado. Ela citava o calendário árabe, o ano novo chinês. Os egípcios mediam as horas, o livro do Sponville, a eternidade e Wittgenstein. Eu, no tempo de Papá, Federico, sem saber pronunciar o sobrenome, Jeanmaire. O livro me lembrou um conto meu, cheguei a dizer. E daí, deve ter pensado. Gosto da estrutura circular em Antes da chuva, repetiu mais de uma vez. Prefiro o relógio atrasado do Conjunto Nacional, retruquei. Só provocação.

Friday, August 24, 2007

- Juro, claro. Juro, sim. Quando disse "tchau", e realmente disse, nunca imaginei que seria "adeus".

Monday, August 20, 2007

Ontem, táxi, Buenos Aires.
- Me entendés, pibe. Digo: uno tiene que elegir. La vida es eso, viste?
Claro, as escolhas, rapaz. Eu, no caminho de volta, ida de muitas expectativas. Se você vai, ou fica; se beija, cospe ou deixa de tossir, eso, pibe, te pone loco. Yo, por ejemplo, veo lo que me decís. Vos, por el mundo, confuso, demasiadas diferencias. Uno puede estar en su vida tranquila, en la casa que lo vio nacer, y ser feliz. O bien, así, comprometido, han sido tantas las arquitecturas, las mujeres, los colores. Cuatrocientos dioses, encima. Sí, pero, digo, es que, no, no, amigo, nada. Decís: cuando vuelva, estaré loco. Pibe, sos muy joven aún, qué edad tenés? Pero, sabés, yo, nunca me fui de la Argentina; claro, conozco a muchos extranjeros, la profesión... Quisiera haber tenido la oportunidad, pero qué querés que te diga. Luego no habrá camino de vuelta, amigo. Ese, creo, es el problema. Claro, a inventar una razón para la vida, un libro de ficción, un disco nuevo, otra fantasía. Ves, vos, con amigos acá, allá; mágico mientras lo tengas, y después, pibe? Después, cuando, lejos, sin mundo, porque en un mundo demasiado grande, ya no quieras estar completamente sólo? Sabés?
Não, Juan. Não sei. Que medo, taxista; suspeito, tem tempo, dói saber.

Thursday, August 09, 2007

Sabe, algumas dúvidas, tudo o que o tempo não explica, que vem a ser tudo, um pouco de exagero. A maneira como o Bruno mexe o braço sempre que repete "folclore", o sorriso da Alessandra no momento da virada, a pizza oriental, o dedo indicador, a página mais bonita de Ana O. e outras novelas, o Cabaret Voltaire, o dadaísmo e a Lituânia, o sucesso do verde-água no estojo das aulas de artes, a nova música argentina, o endereço novo do artista antigo, o estreitamento das afinidades, o prolongamento do papo sem graça, do sexo sem tesão; a grande perda de um cachorro abandonado, o porre em estilo japonês, a faixa 2 do disco auto-editado, a janela que ficou em Cerdanyola, o preservativo molhado, a vida furada, o prato de domingo, as festas em dia de semana, a cerveja, o trabalho, a casinha dos santos que deixo na escrivaninha, a coincidência literal, o mimetismo do jardim da infância, a inveja entre famílias frustradas, a volta de viagem, a terceira intenção. De tudo, sem sentido, valem o esforço cotidiano o sonho e a ficção leal. Si me das un caramelo, jamás vuelvo a llorar, mamá.

Monday, August 06, 2007

Me perguntou a sensação. Respondi. Não ando mais tão preocupado com a gramática reta. A vida, com os anos, tem torcido o eixo. Tinha chegado do trabalho: gente, horas e horas, os números do mercado. E eu queria rir. Até falar com um amigo, "como abordar o cliente", repetiu. E eu queria chorar. Bah, estou perto demais do meu limite. Ajeitei a caixa de som, o tempo de pensar na música que me leva pra lá. Veio alta, bonita. Abri o livro na página 32. A vida não é para ter lei. Nosso mundo não precisa de rei. Acaba, mi amor, acaba, cariño mío. É para andar o caminho, sem lugar. Ser em cada esquina, doado, deixando sempre um mundo diferente para não voltar. Ela dizendo: Varsóvia é uma cidade administrativa, não vá, não.

Saturday, August 04, 2007

- Gozado, passou o tempo, passaram as pessoas, eu mesma passando: pensei que não tornaria a admirar alguém. Aí, veio você, o humor agridoce, o cabelo bagunçado, os coelhos da praça de Frankfurt, a cultura latino-americana, a decência, a decência, desculpe se sou enfática; bem, vem você, a teoria da ficção de cada um, a certeza de que todos morrem, de que os amigos desistem, de que "prefiro terminar louco"; a paixão pelas flores, a música de Arvo Pärt, a música do Bazar Pamplona, o texto de Castillo, as tartarugas, a beleza infinita de um cachorro, a denúncia da própria estranheza, a solidão experimentada. Então, entre assustada, muito admirada, peço para repetir, quero flagrar um momento de incongruência, um episódio condenável... E encontro, e aponto. E você, admirável, reconhece. E eu, encantada, porque a vida tem pessoas assim, encontros felizes assim, praças arborizadas, amizades estrondosas, sexo bom, sexo ruim, mãe e pai. Eu, feliz, em frente, no caminho, há de ter alguém, finito, um olhar sincero, uma risada fanática, um projeto delirante de vida bonita e mais. Vai, desse jeito, observo o que você fala, o que faz, cada vez com decisão maior, sabendo que o começo de tudo é a falta de sentido do fim. Aí, desavisada, contorno, troco as pontas, olho de novo. E recuo e avanço e espero tanto. Até que, rendida, me apaixono. E, cheia de lágrimas, porque confessa, você me acaricia, me toca e me repete: "acho que ainda não estou pronto".

Wednesday, August 01, 2007




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