Thursday, February 22, 2007

Deitado; o céu era imenso. Estrelado, com a cor do universo, inapreensível. Apreendendo a posição de cada uma, buscando seu próprio lugar, improvável. A vida são as invasões, pensou. Bárbaras, disse Fernanda, em voz alta. Tudo vivido e abandonado. Sendo, sido. Os desencontros, caminhos doídos, sem volta. Quando tiver sido, foi. Sonhos devastados; a negociação da emoção permitida. A vida acontecendo. Fica um fio triste; até a lembrança da renúncia fica bonita. O vício e as traições. Um para cada lado, um polígono-labirinto, onde esqueci as minhas coisas? As aventuras contam a favor... Senão, de nada valeria acontecer de eu ser gente, e gente é outra alegria, diferente das estrelas. Quando caiu a chave, e a música parou. São as invasões bárbaras: crescemos atravessados, em declínio; nosso império cedendo à força dos outros, grande e apequenado, com carne e símbolos particulares. O terreno do que é meu esfacelado com a lembrança alheia, em ausência. A saudade. A civilização que escapa, legado de um tempo ido, desmoronado. A cada pessoa nova, um procedimento de violação. Meu império, sem fronteiras, até deixar de ser, fechado para sempre, dentro de um corpo morto. A herança, a tentativa de permanência, a descendência como último suspiro. Nem o mais forte sobreviverá. Não mais.

Friday, February 16, 2007


- Só será feliz quem tiver coragem.
- Coragem?
- É. Não entenda como uma agressão.
- Não, imagine. Simplesmente não entendo.
- O homem covarde jamais vai rir aliviado.
- Como?
- Não dorme direito. Não acredita na própria palavra.
- Foi isso que vocês ficaram conversando, ontem, no bar?
- Foi, sim. Felicidade não admite cagaço.
- E as garotas concordaram?
- Claro. De uma certa maneira, todos sabemos das nossas renúncias.
- E você gostou de escutar a opinião delas?
- As pessoas andam tristes.
- Com medo?
- É, acho que sim.

Thursday, February 15, 2007


Teve um mau pressentimento. Depois de cada palavra arriscada, da única vontade sincera. Pensou novamente no texto dito, atreveu-se a rebobinar o tempo, talvez algum detalhe desapercebido. Sentada outra vez, intrigada com a falta de honestidade, a conveniência da amizade que serviu um dia. “Fui útil”, tornou a repetir, sussurrando. “Fui, só”. E, enquanto articulava o pensamento, não sabia dizer se o ‘só’ era advérbio ou adjetivo. Tomou a caneta nas mãos e escreveu. Primeiro: “fui, só”. “Fui só”, então. Esse sentido que as coisas ganham fora da gente, sendo escape de um medo daqui de dentro. Aumentou o volume: podia cantar cada letra com força imprevista. Esperou o refrão, ficava excitada quando uma música esclarecia o mundo carente de sentido. Don't believe in yourself / Don't deceive with belief / Knowledge comes with death's release / Ohhh, ooohh. Escorreu a lágrima, a segunda desde o início da canção. Infinita, contadas todas as repetições. Quieta, em busca de um pedaço em falta, especulando até onde iria. “Até onde eu vou?”. Jamais imaginara. O mundo é feito de maldade e ilusão. Quando não houver mais nada, saberei tudo. Chorou mais um pouquinho, num quase pranto já. Lembrou quando, acidentalmente, escapou um “falabra”. Sem graça, no canto esquerdo da classe. “Esqueci a falabra, professora”. E riram. Porque as pessoas riem, entristecidas com a própria falta de graça. O nome ondulado, com dobras e voltas que tocam o céu da boca. Quando entrou, no primeiro dia de aula, apresentou o nome, ouviu alguma falação. Sentou, distante; desenhou toda a primeira fila. Depois, passou para a segunda. Experimentou o professor de Química, o Rafael. Soube sempre: o desenho perfeito como complemento do que não entra no papel. O melhor namorado foi em giz de cera, em cores quentes, sem qualquer gradação. Era quando sou sincera. Pensou mais. Andava atrapalhada, ansiosa com o legado que seria seu. Posso tanto, disseram. Ganhei amigos por causa do traço e da poesia. Perdi amigos, seguiu; a arte é um risco sem fim. Inteligente, isso eu sei... Mas e daí? E, então, cedia, outra lágrima acumulava, e a poesia duplicava. Estou para ser, inteira, sem censura. O conflito: atravessar o mundo, sem partir ao meio. Eu, mais que ele. O olho castanho, o olhar infinito, deita um arco-íris lá dentro. As coisas que eu vejo. Que ninguém vê. Os medos que eu sinto. Um dia, desejou, vou acordar descansada. A recompensa por ter acreditado em anjo.

Saturday, February 10, 2007


Foi duro. E teve medo. Por alguns instantes, poucos, e esqueceu o próprio nome. Pombas! E por quê? Agora... Tantos anos, a frágil convicção de que... Enfim, alguma coisa haveria de dizer "aqui está, tem-te a ti mesmo". Nada, naquele intervalo o vazio não tinha cura. É que, sei, é, disse, não, não, enfim, claro que, evidente. Sem resposta. Nome? Houve algum, sei sim; a vida rejeitou meu batismo, que foi dos outros. Fui penetra no dia em que Deus me abençoou. Desculpe, não era para ser, já sabe. Olhou disfarçado, não saberia pedir por um inhame. Aquele ali, por duas, dois daqueles. Qual, doutor? Aquele, esse mesmo. Dois, por favor. Sem nome, confuso, perdido, erraram o nome que me deram. Insuficiente, gastou uma vida, impotente. Seu nome? O senhor não quer pendurar? Como? Conta? Perdoe, estou confuso, quisera dizer. Mas, não, como ficaria: ninguém daria crédito, não, não assim, sem nome nem apelido. Mentir, pensou, desesperado. Foi assim o tempo todo. Mentiram sobre mim. Ludovico, balbuciou. Isso, isso, me chamam "Vico". Sem coragem e derrotado: tudo o que a gente quer é uma mentira para acreditar. Oh, Deus, deixei a conta aberta, em nome de alguém. Pecado, será? Vico, querido, anda, tem gente na fila.

Tuesday, February 06, 2007

- HAHAHAHAHA. Você se enganou. Até você.
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