Henrique esperou todos se acomodarem para dar a notícia. Antes, porém, pediu vinho caro e duas porções de camarões grelhados. Do grande, por favor. A mãe, Marisa, sabia, alguma coisa especial. Filho, será? A Bel está grávida, viera comentando no caminho. Fabinho e Helena conversavam sobre um problema no telefone, enquanto Marcos e André falavam dos dois gols do Keirrison contra o Cruzeiro. Eu estava quieta, trocando os talheres de posição - sou destra. Discreta, Ana pediu água. Não queria ser estraga-prazeres, mas não estou podendo beber álcool. Se eu dissesse a dificuldade que tinha sempre que pronunciava "alcohol", Luis emendou, sobre o tempo em que morou no Chile. Tentaram, sem disfarçar a curiosidade.
- Pessoal, reuni todos vocês... Bem, imagino que estejam mesmo esperando algum comunicado meu (sorri, desajeitad0). Enfim, agora que estão todos sentados, uma boa bebida, tranquilos - e felizes, espero -, posso dizer com gosto, estou entre pessoas especiais, vocês já sabem. Enfim, sem rodeios, meus queridos, gosto demais de cada um de vocês, e estamos aqui hoje porque a Bel foi selecionada para estrelar a próxima campanha da Dove, acreditam? Estamos felizes pra burro, né, meu amor?
Monday, June 15, 2009
Saturday, June 13, 2009
Sandra, é o Raul. Sandra, você está por aí? Bom, desculpe dizer assim, desse jeito, sem jeito, não sei de outra maneira. Sandra, quando você ouvir o recado, me liga, por favor. Vou estar no celular o dia todo. 8733-4890. Pode ligar a qualquer hora, não se preocupe. Sandra, é o seguinte, prima: vou dizer, melhor assim. (Ofegante) O Sérgio morreu.
Thursday, June 11, 2009
Há meia hora, nasceu o Tiago. Meu filho. A conversa do dia-a-dia deixa difícil dizer certas coisas, tão especiais. Queria poder falar do Tiago do jeito que eu sinto. Mas não consigo. Grande e pequeno. Euforia e desconfiança. Entrega e cobrança, nesses curtos trinta minutos. Tenho 30 anos. Quando eu ensiná-lo a andar de bicicleta, vou me lembrar do meu pai. E, não sei bem o motivo, do meu irmão. Talvez porque, no fundo, espero dele um pouco dos dois.
A Alessandra queria que eu olhasse para ela. Mas não consegui. A mulher espera esse dia. No meu caso, aconteceu. A barriga dela, durante os nove meses, continuou sendo dela. Agora há pouco, ela perdeu a barriga pro mundo, e acho que pensou que teria minha compaixão. Desculpe, Alê, meu filho nasceu. E, detesto repetir, finalmente virou meu também. Apesar do tanto que vou ter que dividir com tanto mundo.
Quando ele tiver 1 ano, vou somar um cachorro. Para ele ser mais ele. E mais eu.
Na minha frente, na porta do quarto à minha frente, aqui na maternidade, bem-vindo Matheus. Meu filho chama Tiago, jamais pensamos em Matheus. Nem em Roberto, Fernando, Bruno, Gustavo ou João. O nome do meu filho é Tiago. E seu sobrenome, o meu.
Em casa, vou colocar Discreet music para ele dormir. E colar dois pôsteres na parede do quarto, quando tiver 8 anos. Um show do Pulp, que vi em Barcelona, e o cartaz de Os sonhadores, que roubei em Buenos Aires. Desde cedo, vai aprender a magia das cidades com "B". Se eu tiver dinheiro, vai passar três meses em Berlim.
Meu filho nasceu. E não vai morrer nunca mais.
Wednesday, June 10, 2009
Antônio sempre contou a mesada. Aos 7 anos. E depois. Mais velho, escreveu páginas e páginas, nunca chegou a ver nelas um livro completo. Imagine, são capítulos recortados. Quando conheci a Luciana - na época, namorada do Antônio -, repetiu três vezes, numa conversa de 5 minutos, "é uma pessoa especial". Tempos depois, aconteceu de a gente trabalhar juntos. Ele revisava as bulas de reumatologia. Eu, parte mais pesada, transplantes. Passamos a aproveitar o almoço para testar afinidades. Lia Michon. Eu, Vila-Matas. Tremenda coincidência descobrir que também adorava Stone Roses. Rimos pra caramba quando confessei que sempre conferia as notas da mesada, combinação de bilhetes diferentes a cada mês.
Ontem, Antônio deixou comigo uma apostila com seus textos. Na verdade, estava deixando um livro inteiro, fechado, sem querer reconhecer. Logo na primeira página, um texto sobre as listas que o irmão preparava para demonstrar atenção. "Não saia sozinho". "Vista sempre a caceta". "Prefira rock de verdade". "Ligue para a mamãe". "Use mais palavras de homem". Quatro capítulos adiante, um relato sobre Lucas e Lucía, casal de amigos, numas férias em Ushuaia. Antônio acreditava no amor. Achei uma concordância esquisita - sublinhei.
Quando a Aline saiu do banho, pedi para ler um trecho. De quem é? Não respondi nada. Só li.
Quis saber seu sobrenome. Adivinha! Paula Adivinha, brinquei. Sabe alguma coisa de mim? Arriscaria dizer que você morre de medo de se desfazer dos textos que escreve. Eu? Guarda o Jorge, Dogue Alemão da terceira séria, e até o Rodrigo, amigo irreversível, no papel. Estou certa? O Jorge era um policial. E o Rodrigo sumiu.
Saturday, June 06, 2009
Elisa sabe por que detesta os domingos. Tão fácil. Excesso de tempo sem tanta ocupação, muito medo de não ter o que pensar. Quando, olhando pela janela da sala, pensa no que mais dá medo. Elisa, outro dia, passou a mão no telefone e ligou para a Rafaela. Depois de quase quatro anos. Em 2005, brigaram, nem se olharam no dia seguinte, último semestre da faculdade de Letras. Parece que Rafaela perdeu o livro favorito de Elisa, emprestado. Tentaram descobrir se era romance, biografia ou poesia. Falaram que era o diário de Elisa. Daí, pensei que diário é tão íntimo, às vezes tanta declaração de amor. Ui. Mariana, argentina linda que conheci em Rosario, disse que se arrependeu por nunca ter feito um diário adolescente. Concordei para ganhar um beijo.
Elisa está sentada, vendo a árvore titubear no tempo do vento. Não gosta dos domingos. Um amigo seu, Flávio, decidiu morrer num domingo. Encontraram um calendário sublinhado com marcatexto, dia 11 de junho de 2006. Um domingo, não vai esquecer. Flavinho misturou um coquetel de pílulas e juntou tudo numa caixinha tarja preta. E anotou "adeus", em alemão.
Rafaela atendeu o telefone, quem fala? Que susto, Elisa. Quanto tempo. Como andam as coisas, a vida, o trabalho. Falado com alguém? Vou bem. Tenho saudade de um monte de coisa. Das aulas de Literatura Brasileira. Do intervalo com suco de abacaxi e hortelã. Da gente. De você. Eu? Teve coisa, sim. Bastante. Minha irmã foi para Amsterdã. Terminou com o Lúcio e disse tchau. Fui parar numa assessoria de imprensa - não estava conseguindo tradução. Fiz legenda um tempo, trabalhei na biblioteca da Cásper Líbero. Não, não sei. Acho que não. Deve demorar ainda. Quer dizer, o Fabrício já falou a respeito, mas, não sei, já tive mais vontade. Andei pensando em muita coisa. O Flávio morreu, você soube? A Laura me falou, não perguntei detalhes. Não fui ao enterro. Nem como mais ovo. Escutei de novo. Você deveria ter continuado. "Faz de conta que não soprei" é linda, Elisa. Parou para sempre? Sua voz é bonita, ninguém esquece. Nem sei. Vi um filme outro dia. Tenho certeza de que era ela fazendo figuração. Fazia teatro, lembra? Cheguei a ver uma performance da Fernanda, sem roupa, claro. Vamos, sim. Vamos. Sábado, não posso, faço espanhol. E domingo, está bom pra você?
Tuesday, June 02, 2009
Patrick está com frio. Vem do terraço do apartamento, onde decidiu cortar as folhas amarelas da azaleia, cuidado seu, plantada num vazo de cerâmica. De volta, passando pela sala, apanha o livro que está lendo. Abre. Folheia devagar. Pensa num número: 43. E decide reler a página. O vento ainda atravessa a janela da varanda, aberta. Lê duas ou três linhas. E se lembra perfeitamente do conto. Coincidentemente, talvez pela brisa gelada, recupera a passagem de um romance adolescente, lido sob o sol, na areia fria da praia de Bogatell, em Barcelona. No livro que está lendo, o mar é quente e tropical. Um hotel em Acapulco. Enquanto se lembra de quatro amigos viajando pela Espanha, última viagem das nossas vidas, mudando e desfazendo-se, nas aventuras descobertas diante do Mediterrâneo. Patrick pensa no autor chileno do romance que resgatou da mesa da sala. Hoje, no final da tarde, depois de quatro anos, de volta à universidade onde, à noite, e só à noite, atravessara a Praça do Relógio, movido a luz (e a sombra) do sol. Patrick está descobrindo que as coisas, os livros também, ganham relação na história da gente. E sente frio. Quando rega a flor de maio, brotando em junho; quando relê um conto de Rulfo, pior, ou quando esfrega as mãos entre as pernas suadas de Solana. Delícia.