Elisa sabe por que detesta os domingos. Tão fácil. Excesso de tempo sem tanta ocupação, muito medo de não ter o que pensar. Quando, olhando pela janela da sala, pensa no que mais dá medo. Elisa, outro dia, passou a mão no telefone e ligou para a Rafaela. Depois de quase quatro anos. Em 2005, brigaram, nem se olharam no dia seguinte, último semestre da faculdade de Letras. Parece que Rafaela perdeu o livro favorito de Elisa, emprestado. Tentaram descobrir se era romance, biografia ou poesia. Falaram que era o diário de Elisa. Daí, pensei que diário é tão íntimo, às vezes tanta declaração de amor. Ui. Mariana, argentina linda que conheci em Rosario, disse que se arrependeu por nunca ter feito um diário adolescente. Concordei para ganhar um beijo.
Elisa está sentada, vendo a árvore titubear no tempo do vento. Não gosta dos domingos. Um amigo seu, Flávio, decidiu morrer num domingo. Encontraram um calendário sublinhado com marcatexto, dia 11 de junho de 2006. Um domingo, não vai esquecer. Flavinho misturou um coquetel de pílulas e juntou tudo numa caixinha tarja preta. E anotou "adeus", em alemão.
Rafaela atendeu o telefone, quem fala? Que susto, Elisa. Quanto tempo. Como andam as coisas, a vida, o trabalho. Falado com alguém? Vou bem. Tenho saudade de um monte de coisa. Das aulas de Literatura Brasileira. Do intervalo com suco de abacaxi e hortelã. Da gente. De você. Eu? Teve coisa, sim. Bastante. Minha irmã foi para Amsterdã. Terminou com o Lúcio e disse tchau. Fui parar numa assessoria de imprensa - não estava conseguindo tradução. Fiz legenda um tempo, trabalhei na biblioteca da Cásper Líbero. Não, não sei. Acho que não. Deve demorar ainda. Quer dizer, o Fabrício já falou a respeito, mas, não sei, já tive mais vontade. Andei pensando em muita coisa. O Flávio morreu, você soube? A Laura me falou, não perguntei detalhes. Não fui ao enterro. Nem como mais ovo. Escutei de novo. Você deveria ter continuado. "Faz de conta que não soprei" é linda, Elisa. Parou para sempre? Sua voz é bonita, ninguém esquece. Nem sei. Vi um filme outro dia. Tenho certeza de que era ela fazendo figuração. Fazia teatro, lembra? Cheguei a ver uma performance da Fernanda, sem roupa, claro. Vamos, sim. Vamos. Sábado, não posso, faço espanhol. E domingo, está bom pra você?
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