Ana Helena saiu por essa porta; não disse uma palavra. E me lembrei, imediatamente, como se uma coisa guardasse relação direta com a outra, talvez guardem, do dia em que me dei conta de que meu medo de barata era o medo dos outros. Herdado. Depois, claro, aprendi perfeitamente a ter cuidado com os outros. E menos receio das baratas. O Ciff, na pia da cozinha, ajudou bastante. A gente se desentendeu ontem. Tempo já que o humor não anda igual. Estou bem diferente. A gente muda com a idade. Muda? Ou não adia? Passo cada vez mais horas na cozinha, fazendo história com a louça do jantar. Se fico na sala, tv, ela reclama. Se vou para o quartinho, música, danço pouco, em alerta; me sinto um pouco vigiado. Entender. Diz tanta coisa, tão sem sentido. E fico olhando os peitinhos que cruzo durante o caminho, no banco de carona. Isso não mudou: continuo sem dirigir. Estranho, incômodo, depois de tanto tempo juntos. Para ser mais fácil. Quero silêncio e solidão. Preciso escrever mais. Mas ando confuso e apertado, o peito embrulhado, os dedos e as pernas sempre trançados, pedido de sorte, quando não é apenas nervoso. De estar errando. De ter errado 9 anos atrás, no dia em que conheci; três meses atrás, a decisão de insistir, minha vida, Fabrício, minha vida, doutor, na sessão de terapia, ontem, que o George recomendou. E volto para casa com pouco apetite. E leio por mais tempo, com menos atenção. A página 1, a página 12, a página 1 e a 26. Sedentário, passos controlados. Não tenho desejo de sair do lugar. Um tudo igual que me enche de preguiça. E fico sem vontade de ver um filme novo. E saudade de alguns amigos, eita; esqueci, não atendi e foi assim. O número ficou errado na agenda. Ela fala em filhos. Vejo fotos de Barcelona. Saio para uma volta, pensando na palavra, volta, volta, vai e volta, se a vida é para terminar no mesmo lugar. Tem aquela canção linda, "Baleia", e a voz da Laura Wrona, soprando aqui no quarto, quero ver se durmo antes de ela chegar.
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