Hummm. Éeeee. É. Rffffff. (E risada). Em alguns finais de noite de quarta-feira, a gente esquece que já jantou e come uma segunda vez. Sem fome, surpreso, porque a sensação de fartura não satisfaz. E a gente senta para escrever, uma porção de e-mails não respondidos, a preguiça de deixar tudo em dia. E um deles chama você por "hermano". E uma artista envia um quadro. E você diz: "do jeito que eu gosto". Aí, tem o livro na metade, microcontos inteligentes, palavras com falsas maneiras de improviso. Escrevendo, pensa: "já não preciso mais olhar o teclado para acertar o acento. Ou a letra 'a'. E a 'z'". Você planeja escrever sobre a conversa com o taxista. E o telefone toca, saco. E você perde a meada, apesar de saber que o papo começou no "tá vendo esse cachorro no adesivo do carro da frente? Saiu de moda". O cachorro. Saiu mesmo. E você calcula o tanto de coisas que anda fazendo, tão poucas perto das coisas inacabadas. E o? Mas tem e-mail de uma amiga video-dancer, pode ser? Vamos fazer um filme, tomar uma cerveja com os amigos? E você se dá conta de que a melodia que ronda os últimos dias é herança de domingo, a nota triste do acordeão de "A brisa", por Fotograma. Pediu pizza? Não, não, foi outro apartamento. E chega um e-mail novo, meio de longe, você imagina o remetente sentindo, longe, o cansaço que você sente, do jeito, mesmo jeito, que você sente. Porque escrever àquela hora, sobre aquele assunto, é o encontro mais próximo que tem havido no tempo da gente. Mas tem a dor nas costas, o texto do convite, o projeto que você precisa apresentar. E nada, nada disso parece justificar o tempo que toma dessa vida. Peço água, quando eu corria no quintal com arminha de feijão. Sem munição, só restava "arregar". "Arregão, arregão", pensou o dia inteiro, enquanto secava o próprio sangue com três cartazes, dois folders, um banner e um prisma para o novo produto da Ajinomoto.
Friday, February 29, 2008
Wednesday, February 20, 2008
Andava tão quieto, e tão irritado - mas é assim. "É assim", tentou se conformar. "Assim", assentiu, com a cabeça baixa. As inúmeras tentativas, cercadas de frustração, e o contínuo afastamento do mundo de mentira dos outros, tão próximos, censurando expectativas acumuladas em tempo comprido. E o que foi sonhado no alto de uma roda-gigante pode ser ruim? Em tardes de domingo, numa rampa deslizada em triciclo com banco de plástico? Nos últimos tempos, vinha chateado com a impressão de gastar a beleza da música preferida no repeat do i-tunes. É que andava de mau humor. Intolerante até. Porque, na vida, meu Deus, faltava vida. E quando falara nisso por primeira vez, condenação. Própria. "Se me ouvem, me matam". Com medo do céu, estranhamente. Mas é assim. No Animal Planet, 69 da tevê, todo bicho é migrante. "Acho que posso dizer todo", mediu. E estava convencido. "Sou nômade, caramba. Meu tédio e essa insatisfação fedem cada vez que nego o movimento que é urgente em mim." E era. "Detesto estar parado. Se foi a Igreja, a família, para dividir terra e herança... Não foi por mim". Acenou novamente com a cabeça, afirmativo. "Não, meu Deus. Quero migrar. Preciso pernoitar em tocas irreconhecíveis. E ver gente, trocar de roupa, não me comunicar, se for". Isso, que tão claro. E toda essa nhaca, esse desgosto, a detecção do que a falta tem de mais terrível: carne mortificada num corpo vivo. Fungos e micróbios curtindo o repouso eterno de uma siesta moribunda. "Vou sair. S a i r", silabicamente. Chegar alguém de longe, ou simplesmente pinçar, dentre os cds, a passagem para Oslo, que um eco sufocado repete o mesmo "não sou daqui". A tara e a língua, contingenciais. Provisoriamente. Então, de novo, o questionamento da coragem. A decisão de não parar, até cair no meio do caminho, que não é caminho, por não ter aonde levar, cansado. "Sou nômade, Isabel. Errante, vagabundo. O que você quiser. Mas se puder, e suportar, aceito você comigo na viagem infinita. Prometo protegê-la de tudo, e de qualquer coisa, se também você me aceitar tendo em vista essa única condição: admitir o desnível de cada terreno torto".
Friday, February 15, 2008
- Sabe, Ada, daria o céu por um filme desse livro. O céu, não: a vida. Não sei. É tanto mundo. Fiz um blog até; não matou a sede. A fantasia é assim. Imensa. Nunca chega. Já imaginou: Bryce Echenique, Julius, um curta entre amigos? E isso tudo só para alcançar a música. E ler o livro, e assistir ao filme, debaixo duma trilha delicada. Sei bem: seriam acordes favoritos. Quase um mundo para mim. Chiquilla, chiquilla, tem como reencarnar partitura? Ou alguma página vazia?
- A blank page? For taking the risk of living hidden inside a book? Is it? Too fast. And too much for my little Portuguese. A world for Julius: you mean a novel? A movie? Or a soundtrack?
- A ver, si te lo digo en castellano, te va mejor? Hablo de la vida, chavalita; de esa enorme ficción. Con música, libros, cine… E infinita ilusión.
Tuesday, February 12, 2008
Friday, February 08, 2008
Sabe, existe uma coisa que tento evitar, tenho evitado, há muito tempo. Desses incidentes bobos. De tão bestas, inevitáveis. Mas achei que poderia passar a vida inteira adiando, fazendo de conta. Aliás, quando pude, fiz força para viver da imaginação. Hoje, alguém, ou alguma coisa, preferiu assim: aconteceu. Diferente. E dói no peito, arranha a garganta uma decepção. Porque elas vêm acompanhadas da sensação de que, pouco a pouco, a vida troca as infinitas possibilidades por circunstâncias repetidas e insossas: um "agora é assim". E tem leite derramado. E piada que já não produz a mesma graça. Sento num bar para beber, não mais por diversão. A cabeça precisa de respiro. O hábito ingênuo convertido em salvação. Falo da família, do trabalho, até das minhas tristezas, com o rapaz do caixa. E faço amigos por uma noite. Sem desconto. E me despeço das minhas confissões rogando por mais um copo. E são R$23. E a vida de verdade não condiz com a farra da cantina italiana de tantos anos atrás. Hoje, chegando em casa, no trajeto da volta, dentro do ônibus, debaixo de uma chuva suja e mal-humorada, apertado entre roupas suadas de trabalho, não tive maneira de evitar. Distração. Quando dei por mim, e quis escapar, a morena de cabelo pintado e caderno no colo me condenou com delicadeza e educação. Jamais seria pior. Com voz doce e sorriso ensaiado: "pode sentar", cedendo o lugar. E eu, delatado, com medo do assento marcado, da falha na voz, da fraqueza do corpo e do que o tempo me tirou, odeio gestos de respeito que disfarçam pena de mim.
Tuesday, February 05, 2008
- Então, você se fez uma promessa?
- É, é o que eu lembro.
- E cumpriu?
- Não... Não sei, quero dizer. É por isso que vim até aqui, entende? É que cheguei a comentar, a explicar um pouco, isso que eu queria, sentia, imaginava que faria... Disse isso tudo a você um dia.
- Eu?
- É.
- Sei, sei. Acho que lembro, sim. Você andava confuso, cheio de dúvida, até rezava à noite. E chorava durante o dia. Era só eu recomendar uma música, e você dizia "depois", jeito de evitar a "sensibilidade compartilhada".
- É, acho que você tem razão. Apesar de achar também que, com o tempo, a gente aceita ser menos cara, sendo mais coração. Perdendo o receio de falar da vida, do desespero que aperta, com amigos. Poucos amigos, no meu caso.
- Claro, natural. Aconteceu comigo também. Até a infecção urinária que peguei de uma lituana virou assunto de bar.
- Ou de MSN. Comecei a falar disso tudo, mas com timidez. Para dizer, contar de verdade, comecei a usar aquele serzinho amarelo do messenger. Até para dizer "parabéns"... Quantas vezes convoquei aquela bolinha-piscadela? Que sei? 1000? Milhão?
- Mas você passou a dizer?
- Muita coisa.
- A promessa também?
- Não, não. Essa foi "ao vivo", num bar da Tabapuã.
- Honrou?
- É você quem diz.
- Bom, li no seu blog: você tá pintando, não? Tem um livro com coisas suas na Alemanha...
- Na Argentina também.
- E então?
- Não sei. Cumpri?
- Em parte.
- Dá para ser feliz pela metade?
- Existe vida inteira?
- ?
- Existe?
- Sei lá, por quê?
- Porque, mesmo se houvesse, dividiria a minha em pedaços. Acordei e dormi em partes diferentes. E, às vezes, sinto como se tivesse vivido mais de uma vez. Sem deixar de ser eu em todas elas.
Friday, February 01, 2008
Os quatro andando debaixo da garoa fina, llovizna disseram em Vigo. O vento borrifando saudade no bate-papo improvisado; ao fundo, o verde pontilhado do Ibirapuera, a paisagem escorrendo por entre as minúsculas gotinhas de nunca mais. Ao lado um do outro, um, bochecha deitada, agora agachado: "pisei na merda". No frio molhado de São Paulo, eu fico mais eu. E aproveito o fim de tarde, a espera pelo ônibus, para ser amigo dos colegas de trabalho. Porque existe uma música de que vocês também gostam. E a temperatura baixa, o dedo apertado dentro da meia, lá para baixo, e a vontade de estar em casa, interrompida pela buzina do táxi apressado, lembram que o encontro idiota e conveniente não precisa ser em vão.