Nunca imaginei que alguma coisa pudesse atravessar a garganta por tanto tempo. Com meses, muitos, li um conto, famoso, a história de um espinazo travado no meio do caminho. Anos atrás soou fantástico. Exagerado. Hoje, apareceu um rasgo aqui dentro. Pinçadas regulares, doídas. Pensando a respeito, me dei conta de que não chegaram sozinhas. Antes, no caminho da aula de canto, teve o estalo de dedos e, bem mais importante, o assobio. Soube, não sei dizer de quando, que um homem assobiando na rua é alguém distante, no infinito da solidão. Que, em mim, deram por chamar, há muito, "egoísmo". Teve "frieza" também. Mas ainda prefiro "soberba". Eu, pelo menos. Quando assobio baixo, na cidade barulhenta, quase escrevo um texto meu. Com palavras encadeadas, pela lógica de cada uma, arranjadas, a melodia do pensamento. O assobio, a dor de garganta. Agora, estou sem saber, se dor de espinha, ou solidão. Más é física, a pontada é comprida, o peixe de terça-feira. O homem de 36 anos. Quando, à tarde, repeti, "entrando uma dor", fechando o pescoço entre o indicador e o polegar da mão direita. Os extremos, por falar pouco, ou demais. Ou por dizer o que, gratuito, não cura. E a dor permanece, efeito de um dia errado da semana, ou da vida inteira.
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