Decidi: se é para ser assim, para ser uma vida que não sonhei, elogiada pelos outros; se é para ter um trabalho que precisa ser, uma mulher que vale o preço das contas, um cotidiano sem mim; se é para sorrir com um nó na garganta, cantar a música que querem ouvir, disfarçar a solidão, cobrir tamanha frustração com as baboseiras alheias, ser padrinho por ter dinheiro para o presente, ter certeza de que é pouco, de que era para ser mais; se é para desistir do que eu fui, sempre pensando em ser; se é para disputar com os amigos, se houve amigos; se é para pensar pelo resto, aceitar os acordos, assinar os contratos, ter filho para dar sentido, para ter o que olhar, cuidar; se é para renunciar em cadeia, chorar escondido, imaginar o que poderia ter sido, despistar a cobrança do tempo, o medo do fracasso, a ausência de confiança, a quebra da lealdade, o abandono dos aliados; se é para ser desse modo, que seja sendo rico, dono do ouro, do bônus e das comissões, do cheque alto, do cartão de crédito, com pagamento a vista e a prazo, em notas de 100, em bilhetes de 1000, em tristeza de milhão.
Friday, October 27, 2006
Thursday, October 26, 2006
Um pop vagabundo que tenho ouvido ultimamente diz: "something's gone cause you're not open". Ou será que, aberto demais, escorreu antes de permanecer?
Monday, October 23, 2006
Passaram por mim, precisava de texto novo. Ficaram impressionados, impressionando de alguma maneira. No alto de Blagoevgrad, o mundo parecia pequeno. De volta, na medida que me viu nascer, asfixio, tão pouco o ar. Duvido que um dia volte a voar; de longe e de cima, pensaria na mesma vila que conheci na Bulgária. Sem repetir as mesmas histórias, com o medo de antes, quero o risco de me decepcionar de novo. Não tenho a mesma tribo de trinta anos ago, não tenho as mesmas razões de então. O balanço do corpo mudou, as ruas não me reconhecem, apesar de muito familiares. Contei alguma aventura, fiz amigos outra vez. Fazendo ainda, no desperdício do excesso de lembranças velhas. No primeiro lugar da fila, Lana. No segundo, Leandro. Morro de vergonha de ter de mudar de amigos porque talvez não haja novidade em mim. Ser inédito, sendo repetitivo, entre gente estranha, sempre esquisita. O mundo mente em cada lugar onde está sendo, conflitante e irreconhecível para quem vê da ponta de lá. Não quero esquecer, tem parte minha sendo longe daqui. Deve ser por isso que tenho tanta saudade. Vou convidar você para dançar; tem história que escorrega num passo fora do lugar. Enquanto tiver quem se lembre de mim, vou ter coragem de continuar. No te enfades, hubo un yo, habiendo aún.
Friday, October 20, 2006
A palma da mão atravessou o ar, cortante, feito transversal. Abri os braços, sei que sou pequeno na noite clara. Tanta a música que toca do lado de fora, fico sem saber dançar. Penso na estrela que brilha em Montevideo, ausente na vida que levo aqui. Sinto a aventura multiplicando, porque o tempo é feito de mim, no compasso que eu ensaio. Dedilho "hoje", solo "amanhã", só para rimar com as coisas que já foram. Ontem, entrei para a agenda de trabalho de um amigo - foi no mesmo dia, quando inventei um passo para a música que ele ensinou. Doeu, tropecei até, pensava que era mais que isso. Mas a expectativa erra na gente e salga na lágrima que escorre dos olhos cansados. Uma garota beijou minha bochecha direita e molhou uma parte do lábio. Sussurrou baixinho: "pena que vai secar um dia".
Friday, October 13, 2006
Não é mais. Quando falo o 'não', e demoro no 'é' longo, aberto, aumenta a aflição, por estar deixando de ser. A lembrança. A namorada. O melhor amigo. O cachorro fiel. O livro que estava lendo. Não são mais. Errei porque pensei que morreria, para sempre, no último dia. Estou caindo o tempo todo, em contagem regressiva. Não quero mais, também. Foram tantas luzes novas, tamanho o brilho diferente. Foi uma boca com gosto de Tartu, um banho sagrado, um disco em promoção, um médico cruzando o Sena, e tantos outros nomes de rios. Dão saudade e fazem falta. O sentido que têm; a ausência que dá saudade. Foram, sem ser mais - ao menos do modo ido. A torneira sem fechar, o forno estragado, a ducha gelada, a roupa em oferta, as relações em liquidação. Se eu choro? Com frequência, antes de dormir, no escuro da solidão. Medroso? Houve outro receio, maior, prefiro não contar. Vejo casos em que o tempo atrofia, quando substituímos o nome por 'Lilica'. Não são mais, enterrando-se, por fuga de um mundo que não tem espaço para mim do jeito que sou. Tão grande que é... Quando disse 'quero morrer louco', por primeira vez, não imaginei quantos disseram antes de mim. Licença para estar sozinho e em paz.
Thursday, October 12, 2006
Entendi que não é para mim. A casa projetada durante anos, o tijolo escolhido a dedo, a tolerância de todos os dias. Não é para ser porque não sou assim. O quintal pode ter a camélia mais bonita; será sempre de alguém. A noite sem aventura. O sono mal dormido. O sexo rotineiro. O copo sobre o criado-mudo cai, estala e repete o que eu sabia. O quadro torto na parede, a estante cheia de pó, o sofá manchado com o mijo do cachorro, o violão aposentado, o computador ligado, a porta do lavabo fechada, o tempero inventado, os cinco anos que eu não vivi. Uma menina de nome H duvidou que eu conseguiria. Eu também. O perfume que não é meu enjôa o espaço - é quando subo a escada do prédio e sinto o cheiro da comida do vizinho. A tradição precisa condenar. Então pesa a culpa de ser sozinho, entre irmãos. Quando me falou daquilo, o olho ficou carregado: a alma arrastava sombra maior que a sua lá dentro. Tem medo de alguma coisa. Fala triste e, no pequeno minuto do dia em que respira sem a algema de alguém, chora, escondido. Quer acreditar que o amanhã seguinte será diferente. "Pode ser, ou o problema está comigo". Talvez passe a acreditar num dono da vida que foi sua: um Deus, um filósofo alemão, um guitarrista de uma banda pop, meu escritor favorito. Enquanto houver guru, a responsabilidade sobre a infelicidade não será só minha.
Wednesday, October 11, 2006
Olho para fora e vejo algumas janelas acesas. É tarde já: muitas as coisas que adiam o sono. Quantas decepções terá tido cada uma? Algumas piscam, outras apagam. "Sinto falta do que eu tinha antes". Quase o mesmo que dizer "sinto falta de mim". Ando contando quem me faz o que fui, tentando permanecer. O cálculo estremece, defasado. Tem gente arriscando o que poderia ser por aquilo que não é. Estão buscando sentido nas coisas por vir, estando toda a explicação na saudade do que foi. Espero ver você feliz, porque preferiria ver você do jeito que era para ser. As vezes em que pisei duro por mim, chorei sem culpa. Queria poder encarar de outra maneira, mas - cada vez é pior - tenho a impressão de que a vida tem sido desistência.
Sunday, October 08, 2006
Pediram para eu escrever e faltou palavra. Algumas coisas calam no pedido de alguém. Existem em mim, sem falar. Pensei que viria, que um dia, talvez. Pensei que. Não é medo, não. É desconfiança. Quando olho no olho, e dói, é porque tem coisa que não sei dizer. Falei "oi", tantas outras coisas encobertas para sempre. O texto, que é um para cada um, pela metade, me esconde. E, como nunca chego inteiro em ninguém, resta sempre uma parte, sozinha. Acompanhado no pedaço, carente de corpo inteiro. Não escolhi, mas sou assim.
Thursday, October 05, 2006
"En el interior del colegio, Maria Raimunda - negra, ama de casa, protestante - afirma que va 'a votar a cualquiera menos a Lula que ya robó todo'. Y, antes de la carcajada final, Maria Raimunda pronuncia una palabra: cuecão. Se refiere al caso del diputado José Nobre Guimarães, del Partido de los Trabajadores (PT), detenido en el 2005 intentando huir del país con unos calzoncillos llenos de dólares de dudosa procedencia. Cueca significa calzoncillos, ão es un aumentativo. Y es que el Gobierno Lula se ha visto envuelto en la corrupción superlativa, en los escándalos más ão. Como el cuecão y el mensalão (la mensualidade que el PT pagaba a sus diputados para garantizarse apoyos)."La Vanguardia, 2/10/06