Mas não é só isso. Alguns dias dão sorte, e o motorista fala bem demais. Caramba, que porra de vida é essa? A tartaruga vive 200 anos, e somos nós que temos essa pretensão ridícula - e absurda - de entender o universo. Pomba, o lagarto, o crocodilo. Toda uma fauna que sabe mais, muito mais, que a gente. Porque a conquista da nossa ciência, garoto, é sistematizar um mundo provisório. Vamos lá, conta rápida: do 0 aos 6 anos, a gente mal aprende a escrever; dos 10 aos 20, tenta conviver; aí, até os 30 o cidadão se forma e faz uma ou outra especialização; depois, são 10 anos para o sujeito desenvolver o que aprendeu em trinta anos, caramba! Dez anos para aplicar o que aprendeu a vida inteira! E o pior: os anos seguintes são de pura conformidade, aceitação do que não se entendeu nem vai se entender, do que a gente não viveu, sem tempo de viver. Meu amigo, digo uma coisa: é mexer um pouco nessa ferida, que é a verdadeira ferida da alma, que o amigo aí termina doido. Como é que é? Passou já? O primeiro? Não, não, fica tranqüilo, dou a ré. Ou vai querer voltar pra casa? (risada) Té mais, meu rapaz. Bom final de semana. Ah, e uma coisa: faz força para não passar pela vida, garoto. Faça o que puder para entrar nela.
Friday, May 30, 2008
Cada vez que o táxi ficava em silêncio, e o motorista não via caminho para a conversa, engatava um esvaziado "tá certo, então!". Fiquei na dúvida se era um tique: vir um farol que eu tremia esperando o comentário. Até a hora em que o carro parou diante do prédio onde eu moro - depois de dar o dinheiro contado, me despedi: "tá certo, então?".
Monday, May 26, 2008
Tenho pensado na família que mora no prédio daqui detrás. Durante as horas que gasto com as traduções, sentado no computador, acompanho a alegria de cada aniversário - toda semana tem. "Parabéns, oh!, pra você, oh!, nessa data querida, oh!". Gozado esse "oh"! A família deve ser enorme. Primeiro, porque muita gente canta. Depois, já disse, é quase um por semana. E eu achava que isso tinha perdido sentido na última vela queimada em 92, quando a Letícia chorou no "muitas felicidades". Seus pais, meus tios, tinham se separado.Descendo a rua, pouco antes de chegar em casa, ouvi eles cantando de novo. "Pronto", pensei, "hoje descubro onde é que é". Parei na guarita do prédio de onde vinha o som: "é festa todo dia?". "Opa, rapaz, lógico. Só não sobra pedaço de bolo, acredita? O gerente do buffet aí não deixa dar nada". "Buffet?", assustei. "É, o Festa Fantasia ali debaixo".
Sunday, May 25, 2008
Mariano e o fascínio por aviões. Levou anos para entender por que aquela engenhoca gigantesca fica tão pequenininha no céu.
Monday, May 19, 2008
Não fosse a página 140 do livro, Rodrigus postaria num outro dia, sobre outro assunto...."Lo único que yo, a esas alturas del relato, comprendía perfectamente era que mi padre, en una actidud admirable en quien está al borde de la muerte, estaba inventando sin cesar, fiel a su constante necesidad de fabular. Ni la proximidad de la muerte le retraía de su gusto por contar historias. Y tuve la impresión de que deseaba legarme la casa de la ficción y la gracia de habitar en ella para siempre. Por eso, subiéndome en marcha a su carruaje de palabras, le dije de repente:- Sin duda me confunde usted con otro. Yo no soy su hijo. Y en cuanto a tía Consuelo no es más que un personaje inventado por mí.Me miró con cierta desazón hasta que por fin reaccionó. Vivamente emocionado, me apretó la mano y me dedicó una sonrisa feliz, la de quien está convencido de que su mensaje ha llegado a buen puerto. Junto al inventario de nostalgias, acababa de legarme la casa de las sombras eternas.Mi padre, que en otros tiempos había creído en tantas y tantas cosas para acabar desconfiando de todas ellas, me dejaba una única y definitiva fe: la de creer en una ficción que se sabe como ficción, saber que no existe nada más y que la exquisita verdad consiste en ser consciente de que se trata de una ficción y, sabiéndolo, creer en ella."(Enrique Vila-Matas)
Friday, May 16, 2008
Primeiro encontro no McDonald's? Caramba! Aconteceu; sessão lotada, vamos? Entramos, ué. Passei todo o meu número 6 pensando numa maneira de reverter o quadro, quem sabe um beijo mais romântico? Ixe, com molho tártaro e resto de batata no céu da boca? Então, e por muita sorte, que, vindo do banheiro, de uma seqüência de bochechos insossos, lembrei quando, num sábado de Pinacoteca, assim, escada, bem na minha frente, menina e menino, nem 16 anos, acho, brincando, pausa, vem com a mão, agora pára, e a gente desce, pé a pé, direito e esquerdo, coreografia, "juntinhos até na queda", disseram.
Monday, May 12, 2008
Daqui da mesa onde eu trabalho, vejo o final de tarde de quase todos os apartamentos do prédio da frente. Em dois deles, mais ou menos no quinto andar, a luz da sala tem um amarelo passado, meio amargo, se é que uma cor pode dar gosto. Quando fecho a porta e volto para casa, tudo semi-apagado, faço o caminho com medo de encontrar as cortinas do quarto abertas. (Vai que a Rose esquece). Hoje, faz nem 10 minutos, passei no Pão de Açúcar e comprei três lâmpadas azuis, sabor anis.
Com 9 anos, de viagem por Recife, comi uma casquinha de siri que não me sentou bem. Passei três dias de cama. Doía a barriga! Antes de ir embora, arrisquei um city-tour pela cidade. Nunca quis destino que não deixasse motivo para estar de volta. Todo lugar tem. Porque a saudade que fica é a saudade de estar longe, dizendo: "estive, estive". O "não estou mais" é o que mais mexe com a gente. No ônibus, com a cabeça no colo da minhã mãe, só alcançava o céu, que, de vez em quando, espiava pela janela. Os azuis são diferentes fora do lugar onde eu nasci. No compasso da voz morna e cadenciada do guia, ajeitado entre o banco e a perna de mãe, dormi, guardando comigo o céu de Recife. Que foi suficiente para saber que há o que ver quando, se eu, voltar. Desde então, nos dias de peito apertado, ou nos momentos em que tenho saudade de qualquer coisa acontecida depois, me pergunto se todos os episódios que imagino como a história dos dias seguintes não são, na realidade, capítulos do enredo daquele mesmo sonho embalado debaixo de um clarão tropical.