Wednesday, October 31, 2007

(Projeto REDE - João Modé)

Tuesday, October 30, 2007

A multidão não é o melhor caminho. A multidão não é o melhor caminho, repetiu Raquel. E eu, tão fiel à promessa de cura do anonimato, fechei a porta e disse "tchau". Só isso: disse "tchau". E continuei no mesmo caminho.

Wednesday, October 24, 2007

Quando comprei o creme de rosto, numa pequena farmácia de Montcada, não fiz caso do prazo de validade. Se tudo na vida vale por um período definido. Quando marquei o horário do primeiro encontro, foi para chegar atrasado. A boa lembrança, que fica, tem hora para acontecer. Senão, atrofia, perde peso e morre, esquecida. No dia em que ouvi "Spiegel im Spiegel" por primeira vez, jamais imaginei que haveria milhares de outras vezes. E que a tradução viria de um lábio rosado e estoniano. Numa mesa de acampamento, longe, numa pequena vila de pescadores, fria, na Cornoália. Quando misturei água e azeite na panela, porque fome se mata com improviso, não tinha idéia, nem a menor idéia, de que a fome a gente mata com improviso. E teve o episódio da primeira carreira de um pó branco, que não era cocaína. Ou o copo de água amarela, Pacaembu, Palmeiras Vs São Paulo, que não era guaraná. E não era doce de abóbora numa porcelana rachada em Barberàs. E não era tarde quando caí de sono em São Roque. Depois de uma viagem longa, de 40 minutos. Bateu o sol na cara, bateu a vontade de montar, de novo, a arminha de feijão. Não planejei ter saudade: a saudade aconteceu.

Friday, October 19, 2007

Monday, October 15, 2007

Bruno, 1999, São Pedro

Ontem, morreu o Bruno, dálmata que dei ao Rodrigo, meu filho, quando completou 3 anos. "Vai ser difícil crescer sozinho", minha defesa: a Bia, mãe do Rodrigo, não gostava da idéia. Isso tudo, treze anos atrás. Agora, sentado, ouvindo Bryars, lembro que treze anos antes, na tarde em que o Bruno chegou, ouvia In the upper room. Poucas preferências mudaram tanto, tendo mudado bastante. Eu. Acho. O Rodrigo - agora com 16 - chorou. Muito. É que não é fácil crescer sozinho. A Bia não mora com a gente desde 2001: deu errado porque a gente tinha certeza de que daria certo demais. Não sei se a certeza era demais, ou se o exagero, o "demais", machucou o "certo". Não deu. Ficamos os três: Rodrigo, Bruno e eu. E, agora, nós dois. Quando saímos da clínica, as últimas palavras do veterinário, "vai fazer falta". Mudos pai e filho, anônimos na solidão, diante do jeito de ter saudade de cada um. Eu, abobalhado, pensei no domingo em que fui filho único em casa. Quando meu irmão mais velho decidiu morar sozinho. Depois de anos dividindo o quarto. Pensei mais nisso que na minha mulher. Ex-mulher. Não sei no que o Rô pensou. Cada vez que alguém sai da vida da gente, mata esse pedaço tão sagrado de mundo, a comunhão. Na terceira série, o Leandro mudou de colégio. No primeiro colegial, a Marília foi para Cuiabá. E eu, apesar de toda a dificuldade, tenho a convicção de que cresci, envelhecendo, sozinho. Nas datas de celebração, quando o assunto pesava, e pesava sempre, sentava na poltrona da varanda. "Vem, Bruno; vem, lindão". Esse silêncio, feito de amizade, essa comunhão. No enterro da minha vó, olhei para o meu primo e não falei nada. Ontem, o Bruno foi embora: passei a mão na cabeça do Rodrigo, quieto. E senti, com o olho aguado, a perda de cada conversa pesada, deixada de lado, no terraço de casa. Doída, sem deixar de ser bonita, a subtração de todos os dias, as quedas da nossa modesta contribuição. Conta esquisita, porque passei a vida inteira acreditando que era só adição. Sendo, bem verdade, de alguma maneira. Mas não sei explicar qual.

Tuesday, October 09, 2007


Sábado, dia bem curioso. Fiquei sozinho em casa. Sem Débora nem ninguém. Na noite anterior, o Betinho falara do conto do Borges. Tinha lido uma, duas vezes, três, quatro anos antes. Não lembrava bem; alguns detalhes, imagino, escapam com o tempo. Ouvindo o título, ao telefone, dobrou a atenção. Quando criança, Beto dizia, eu fazia. E o comentário sobre o conto, com alguma devoção, agravamento do exagero comum às suas histórias, assustou. Em mim, funcionou sempre desse modo: o medo chega antes e afirma uma coragem que não sei minha. Convencido da casa vazia, direto ao sótão. Os primos se juntavam e inventavam as brincadeiras no porta-retratos de 86. Hoje eu procurava a alegria sozinho. O corredor escuro, cheio de livros e revistas velhas, dava no quarto dos empregados. Sempre soube disso. Tomei a almofada do sofá xadrez e desbotado. Imaginei um ângulo, qual o caminho do mundo? Aleph. Pensei num conto meu. E nos mariscos fechados. O medo e a coragem. Testados. Aleph. Urgência e ansiedade foram, sendo ainda, coisas minhas. Sei bem. Ajeitei o tapete, apoiei a almofada. Entre deitar ou desistir, um copo d’água. A cozinha teve sempre o cheiro das receitas da mamãe. E dava sede. O copo, o gelo. Desci as escadas, de volta ao conto. Do Borges. O Beto falando da tia, das nuvens carregadas, de um castelo lituano, de uma sombra dourada, da neve em Bratslava. E eu? Aleph. Deitei. Apoiei a cabeça. Fechei os olhos, como no conto. Do Borges. Um frio na barriga. Tempo certo para fisgar o mundo? Tive medo de mantê-los fechados por tempo demais. Ou de menos. A noite anterior, talvez a única chance que me permitiria. Em anos. Ou por toda a vida. E me abri, à força. Como num conto. Meu conto. E vi o mundo. Vi mais ainda. Euforicamente. Vi o mundo, sem conjugação de tempo. Impressionava muito mais que a ausência de espaço. Perder-se no Aleph foi encarar dimensões do universo, tropeçando, sem antes nem depois. Visitar o mundo sem pausa. Não houve agora nem ainda não. 276 a.C. e o século XXIII. Duas, três palavras. Uma dose de whiskey com Kerouac. Françoise Hardy e um aperto de mãos. O meu “adeus” no Panamá. E chorei. Alto. Não tinha como trazer tudo dali. A condenação de ser infinitamente sozinho, e para sempre, em toda forma do depois. Tudo abandonado. Com dor. Vi o mundo, sem tempo. Vi de perto, e de dentro, a pequena brincadeira das duas crianças flagradas, no Parque D. Pedro II, na fotografia que vi, hoje à tarde, na parede da galeria do centro da cidade.

Monday, October 08, 2007

- Mariana, sei bem. Até seu nome usei para gerar as senhas. Em troca, a perseguição, a teimosia dessas melodias que ouvi durante o ano inteiro. Você não tem como escapar. Quando mostrei o vídeo, um título para outra intepretação minha, choramos de novo. E deixamos de comer carne. As nossas. E as deles. O mundo é frágil. E daí? A gente viola a menor intenção de delicadeza.



Friday, October 05, 2007

Meu próximo cachorro vai se chamar Tristan. Ou Tzara.


"Pegue um jornal.
Pegue uma tesoura.
Escolha no jornal um artigo que tenha o comprimento que você deseja dar à sua poesia.
Recorte o artigo.
Corte de novo, com cuidado, cada palavra que forma esse artigo e coloque todas as palavras num saquinho.
Agite delicadamente.
Tire uma palavra depois da outra colocando-as na ordem em que você as tirou.
Copie-as conscienciosamente.
A poesia se parecerá com você.
Ei-lo transformado em escritor infinitamente original e dotado de encantadora sensibilidade..."
(1920)

Monday, October 01, 2007

Sempre quis morrer num domingo. À noite. As coisas, digo, as ruas, as casas, mesmo o céu - ganham feição de "para sempre". O começo da semana vem depois da morte da última segunda, da útima terça e de todas as últimas feiras. Vindo da Zona Leste, escolhi a rua da Móoca, entre sobrados e comércio pequeno. A paisagem que mereceu o fim da minha vida. Meio escura. Em quando, uma pequena vila, escondida do movimento, longe da via de poucas árvores. As fachadas desmontando em pedaços de tinta seca. O tempo passa diferente no horário nobre de um domingo de velório. O silêncio faz alguma menção. Véspera de uma manhã imprevisível, experimentada pra lá do sol. E a cidade, feia, arrisca a sua delicadeza. How beautiful. O acaso, para não dizer ocaso, evita o plano de uma despedida violenta, de muito choro e dor infinita. Waking up in a distant place. Era para ser um domingo, um quarto com perfume de cânfora, uma música alta, agressiva, tamanha a tristeza. "Festina Lente" era; "Coro dos Peregrinos" pudera, ou as "Suites para Cello", do Bach, seriam. I don't know the time. Mas não. It must be night, cause it's dark outside. Sem saber por quê, rendido a indescritível sensação - só e simplesmente a vontade de morrer tranqüilo, sem desespero. Apagar a luz, com balanço, respirando em paz; o ensaio do último movimento; o resto de ar queimado com refrões suaves, em três acordes redondos de um pop alemão. Em inglês. I am lost in space. A parede de retratos da família, a caminho de casa no cair da tarde, o locutor de futebol gritando gol no rádio da Quantum. A namorada, o beijo na boca no buffet infantil vizinho da escola. O saco de roupa suja no terceiro dia de acampamento. A operação, porque existe - e existiu - apendicite. A torneira ensangüentada, a testa, a rosca e o pedido de ajuda. O sexo da primeira vez. A auréola umedecida entre o mindinho e a palma da mão. Subindo, subindo, é tesão. O copo de conhaque, o porre de bebidas incompatíveis, em doses sem gelo. O calor da depressão de quem, adiante, identifica a marca do fim. E o sinal de Caim. Num primeiro grande livro, o romance da vida, para lembrar, a qualquer custo, no dia da morte. Cá estou. Os filmes, tantos filmes. Agora, tudo isso. A morte agendada. O suspiro do mar. A voz soprada, a saudade dos amigos, Françoise Hardy. Definitivamente, melhor morrer assim. How beautiful. The'll always be a place that I can call "my home".
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