Quando comprei o creme de rosto, numa pequena farmácia de Montcada, não fiz caso do prazo de validade. Se tudo na vida vale por um período definido. Quando marquei o horário do primeiro encontro, foi para chegar atrasado. A boa lembrança, que fica, tem hora para acontecer. Senão, atrofia, perde peso e morre, esquecida. No dia em que ouvi "Spiegel im Spiegel" por primeira vez, jamais imaginei que haveria milhares de outras vezes. E que a tradução viria de um lábio rosado e estoniano. Numa mesa de acampamento, longe, numa pequena vila de pescadores, fria, na Cornoália. Quando misturei água e azeite na panela, porque fome se mata com improviso, não tinha idéia, nem a menor idéia, de que a fome a gente mata com improviso. E teve o episódio da primeira carreira de um pó branco, que não era cocaína. Ou o copo de água amarela, Pacaembu, Palmeiras Vs São Paulo, que não era guaraná. E não era doce de abóbora numa porcelana rachada em Barberàs. E não era tarde quando caí de sono em São Roque. Depois de uma viagem longa, de 40 minutos. Bateu o sol na cara, bateu a vontade de montar, de novo, a arminha de feijão. Não planejei ter saudade: a saudade aconteceu.
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