Sunday, March 31, 2013

De repente, olhando para o teto do quarto, especificamente para a quina onde parede e teto, por cima do armário, dizem que não vão cair, me lembrei da vez em que, dormindo na praia, entendi a importância dos quartos na história da nossa vida. 
Quando morei em Barcelona, logo no primeiro dia, descobri um quarto de pouco menos de 6 m2, que passei a chamar de meu. Quase não saía. Li, dormi, vi filme, vi foto da garota que dormia no quarto ao lado, vi o mercado que ficava embaixo, o rio que cruzava a vizinhança. Naquela primeira noite, tive febre. Não contei para ninguém; não queria que pensasse que era demais para mim. Tive febre e, na manhã seguinte, saí para comprar aspirina efervescente, pensando que, na verdade, aquele quarto não era meu.  
Se faço as contas, e não me perco, acho que tive 5 quartos em toda a minha vida. Incluindo esse, de quando morei fora e descobri que o quarto precisa ter o tamanho do mundo. Mesmo pequeno, seguro, abrigo. Só serve e só precisam ser poucos se, na quina, pra lá da quina, estão o mundo e as suas coisas, o mundo e as coisas que a gente ainda não viu do mundo.
Hoje, estou no sexto quarto da minha vida. Estou olhando a quina e, por mais que eu tente ver o mundo, as únicas coisas que eu vejo são meus 5 quartos anteriores. Estou comparando. Pensando se tem eu, se tem o meu jeito. Se terá jeito. 
Quem sabe, vendo os 5 quartos de antes, vejo, vendo o mundo, todos os possíveis quartos de depois? 
Sempre que dormi fora, em hotel, hostel, motel, procurei o mundo que inventei, sozinho, no quarto. No meu segundo quarto, sonhava com um trem que voava e uma espingarda que um homem de bigode apontava para perto de mim. Nesse quarto, decidi que ia usar gel no cabelo e jaqueta jeans. Depois, vi um quadro do James Dean, que me guiou numa redação para a aula de Português. No texto, dormia em 96 e passava a noite em 53. Ouvia Del Shannon e dançava com garotas charmosas. Se não me engano, Dean morreu três anos depois. 
Estou pensando se, nesse quarto, mais velho, o mundo ainda tem vez. 

Saturday, March 30, 2013

I'm really into it.
I'm really.
I'm really, really. It.
I'm really into. In. To.
Where?
I'm reallin. Reallin really it.
Realling really eat.
In to it it, Eat. 
Bye. Bye.
Voltando de uma visita à Faculdade de Medicina da USP, Juliana e Rafaela imaginavam um mundo à parte, espécie de sofá de casa, quando não toca o telefone, tv absolutamente apagada, ninguém para chamar na hora mais sagrada da música favorita. Se eu tivesse que arriscar, Rafaela e Juliana nunca converteriam a música em leitura favorita. 
As duas no banco detrás. Engraçado: consigo lembrar exatamente a roupa e as unhas pretas, mas tenho ideia nenhuma de quem vinha ao meu lado. Estavam ouvindo Green Day, e ouvir Green Day, além de levantar um território inegociável em que só as duas podiam pisar, era também um grito para o lado de fora, ou seja, nós. Eram e tinham alguma coisa diferente. Eram e tinham essa alguma coisa que deixa claro que estamos longe daquele lugar. 
Confesso que, por algum tempo, tive curiosidade pela amizade, espécie de pacto entre as duas. Sentia falta das histórias onde o vocalista e o baixista - das bandas que eu ouvia - se conheciam numa faculdade para mudar as próprias vidas. A classe média de São Paulo não quer mudar nunca nada. 
Fui convidado para um almoço na casa de um quase amigo do trabalho. Rafaela apareceu com o marido. Fazia 15 anos que não via. Teve filho. Não trabalha. Engordou um pouco, não o tanto suficiente para impedir o shortinho jeans justo, curto e apertado. Rafaela puxou conversa, perguntou de mim. Chamou um brinde. Rafaela perguntou o que eu fazia, quem eu conhecia. Rafaela se insinuou. 
"E a Juliana, você ainda vê?" 
Diria que está todo mundo na mesma.

Thursday, March 21, 2013

Faz dias já - não sei se começou nesta ou na semana passada -, tenho ouvido o toque do meu telefone. Eu concluo que é o meu. No banho, quando ligo o chuveiro, ou enquanto a água cai; no quarto, durante a arrumação das coisas da mudança, sempre toca alguma coisa. E eu escuto. E penso que tem alguém me ligando. E penso na sequência que abre o mui doído Era uma vez na América, entre um chamado e o delírio. Será que o meu telefone não toca? 
Quando alcanço a tempo, quando atendo, a ligação não completa. E o número é desconhecido. 
Dormindo, ainda não aconteceu. Só quando estou acordado, fazendo alguma coisa com a sensação de que esperam que eu esteja fazendo outra coisa. Antes, eu fazia. Por muito tempo eu fiz essa mesma outra coisa.
Agora, o telefone toca e penso nas pessoas que podiam estar me ligando. Faz tempo que não vejo o Felipe. E a Leandra. O telefone toca e não é ninguém. 
Quando alcanço, quase sempre, foi só impressão. Ouvi o som. Ninguém falou. 
O mais curioso, o incrivelmente curioso - se alguém souber explicar -, é, e me dei conta há muito pouco tempo, que o que toca, o toque que toca, do meu telefone, é do meu telefone de um par de anos atrás.
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