De repente, olhando para o teto do quarto, especificamente para a quina onde parede e teto, por cima do armário, dizem que não vão cair, me lembrei da vez em que, dormindo na praia, entendi a importância dos quartos na história da nossa vida.
Quando morei em Barcelona, logo no primeiro dia, descobri um quarto de pouco menos de 6 m2, que passei a chamar de meu. Quase não saía. Li, dormi, vi filme, vi foto da garota que dormia no quarto ao lado, vi o mercado que ficava embaixo, o rio que cruzava a vizinhança. Naquela primeira noite, tive febre. Não contei para ninguém; não queria que pensasse que era demais para mim. Tive febre e, na manhã seguinte, saí para comprar aspirina efervescente, pensando que, na verdade, aquele quarto não era meu.
Se faço as contas, e não me perco, acho que tive 5 quartos em toda a minha vida. Incluindo esse, de quando morei fora e descobri que o quarto precisa ter o tamanho do mundo. Mesmo pequeno, seguro, abrigo. Só serve e só precisam ser poucos se, na quina, pra lá da quina, estão o mundo e as suas coisas, o mundo e as coisas que a gente ainda não viu do mundo.
Hoje, estou no sexto quarto da minha vida. Estou olhando a quina e, por mais que eu tente ver o mundo, as únicas coisas que eu vejo são meus 5 quartos anteriores. Estou comparando. Pensando se tem eu, se tem o meu jeito. Se terá jeito.
Quem sabe, vendo os 5 quartos de antes, vejo, vendo o mundo, todos os possíveis quartos de depois?
Sempre que dormi fora, em hotel, hostel, motel, procurei o mundo que inventei, sozinho, no quarto. No meu segundo quarto, sonhava com um trem que voava e uma espingarda que um homem de bigode apontava para perto de mim. Nesse quarto, decidi que ia usar gel no cabelo e jaqueta jeans. Depois, vi um quadro do James Dean, que me guiou numa redação para a aula de Português. No texto, dormia em 96 e passava a noite em 53. Ouvia Del Shannon e dançava com garotas charmosas. Se não me engano, Dean morreu três anos depois.
Estou pensando se, nesse quarto, mais velho, o mundo ainda tem vez.
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