Ana Carolina chegou exausta da rua. Um dia inteiro de trabalho. Chefe sufocante, café gelado, tampa de privada escorrida. Não é possível, pensou durante todo o caminho de volta. Terceiro emprego da minha vida. Terceiro emprego, a mesma rotina. Ao passar na padaria, jantar de hoje, um pão de batata com requeijão. Mordeu e era hambúrguer. Caramba, será que vocês poderiam fazer o favor de trocar pelo que eu pedi? Não como carne. No ônibus, teve a idéia que tentava executar agora. Amarrar um elástico, de rolo, em cada uma das pontas da sala de estar. Nas grades do arabesco que divide o living e a mesa de jantar. Na ponta de cada pedaço do elástico, uma palavra: "verdade" de um lado, "ficção" do outro. Os elásticos, completamente alinhados. E separados. Com um detalhe importante: comprimento curto; o do lado esquerdo e o do lado direito, juntos, menores que a largura da sala. Para um tocar no outro, esforço, cuidado e paciência. Ou estoura. Arrebenta, palavra da qual Ana Carolina sempre gostou muito. Amarradas as palavras, sentou, no meio, tranquila. Esticava a da esquerda, trazia a da direita. Longe uma da outra. Amaciando, vai que tem jeito, repetia, em silêncio. Mais um pouco daqui, outro tanto dali. Cedendo. Ou rebentando. De um lado, o dia-a-dia, com mensagem de página bloqueada no computador da empresa; do outro, um banho gelado na piscina que separa o Fórum do mar, em Barcelona.
Thursday, January 22, 2009
Wednesday, January 14, 2009
Quando cresci, enquanto estava crescendo, fato que percebi no sabor do sorvete favorito, renovado com as férias do próximo mês, fiquei extremamente confuso com a falta de harmonia entre a calmaria que imaginara para a vida e as casas feias que encontrei no bairro para onde me mudei. Por algum tempo convencido de que a saúde do tio Fábio era de ferro - e para sempre -, o núcleo das amizades, sólido e transgressivo; e as festas, todas que existissem, celebradas para jurar carinho e apoio entre gente boa. Então, meio sem querer, porque não era para eu ir à padaria aquele dia, vi um cachorro apanhando com o focinho sujo de resto de lixo. O homem olhou para mim, xô, moleque, dá o fora daqui. Saí correndo e, na esquina, puta merda, fedelho, esbarrando na moça que trabalhava a três casas da minha, desculpa. Cheguei assustado em casa. Com sede, tomei um copo d'água, com cheiro bem forte. Fui até o jardim despejar o resto num pequeno vazo de violeta africana. E ouvi, absurdo que pareça, um vento soprando "obrigada". Exatamente assim, no feminino.
Tuesday, January 13, 2009
Sou dessa teoria, sempre disse. Escrever sem grande cuidado. Ou pouca, se possível, censura. Quase nula. Sento, folheio duas páginas e decido a próxima palavra, roubada da letra da música nos fones de ouvido. Penso no suor que resfria o corpo, ou tenta. Em vão. Então, tomo uma caneta na mão e, em seguida, lembro que só tem servido para anotar recados. A Raquel não ligou. Incomodado com a reforma da língua, os anos que somei ontem, anteontem e amanhã, faço a prece mais bonita, única que sei, para a vida do gato que vive na guarita do prédio - a síndica fez circular a punição oficial da ração para o bichinho, perto da piscina. E imediatamente depois, tenho certeza de estar gastando a prece, única que sei, com um bichinho que tem sete vidas. E meu livro, pela metade, no laptop, sem antivírus há mais de 2 anos, quase sem tempo de acontecer nesse ano ou no outro, únicos que tenho. É por isso que, indignado, troquei a cadeira de posição, pedi licença para mim mesmo e resolvi redigir mais um post, sempre com os olhos, lá na frente, dou um jeito de coletar esses textos, os melhores, no romance que estou escrevendo.