Thursday, February 15, 2007


Teve um mau pressentimento. Depois de cada palavra arriscada, da única vontade sincera. Pensou novamente no texto dito, atreveu-se a rebobinar o tempo, talvez algum detalhe desapercebido. Sentada outra vez, intrigada com a falta de honestidade, a conveniência da amizade que serviu um dia. “Fui útil”, tornou a repetir, sussurrando. “Fui, só”. E, enquanto articulava o pensamento, não sabia dizer se o ‘só’ era advérbio ou adjetivo. Tomou a caneta nas mãos e escreveu. Primeiro: “fui, só”. “Fui só”, então. Esse sentido que as coisas ganham fora da gente, sendo escape de um medo daqui de dentro. Aumentou o volume: podia cantar cada letra com força imprevista. Esperou o refrão, ficava excitada quando uma música esclarecia o mundo carente de sentido. Don't believe in yourself / Don't deceive with belief / Knowledge comes with death's release / Ohhh, ooohh. Escorreu a lágrima, a segunda desde o início da canção. Infinita, contadas todas as repetições. Quieta, em busca de um pedaço em falta, especulando até onde iria. “Até onde eu vou?”. Jamais imaginara. O mundo é feito de maldade e ilusão. Quando não houver mais nada, saberei tudo. Chorou mais um pouquinho, num quase pranto já. Lembrou quando, acidentalmente, escapou um “falabra”. Sem graça, no canto esquerdo da classe. “Esqueci a falabra, professora”. E riram. Porque as pessoas riem, entristecidas com a própria falta de graça. O nome ondulado, com dobras e voltas que tocam o céu da boca. Quando entrou, no primeiro dia de aula, apresentou o nome, ouviu alguma falação. Sentou, distante; desenhou toda a primeira fila. Depois, passou para a segunda. Experimentou o professor de Química, o Rafael. Soube sempre: o desenho perfeito como complemento do que não entra no papel. O melhor namorado foi em giz de cera, em cores quentes, sem qualquer gradação. Era quando sou sincera. Pensou mais. Andava atrapalhada, ansiosa com o legado que seria seu. Posso tanto, disseram. Ganhei amigos por causa do traço e da poesia. Perdi amigos, seguiu; a arte é um risco sem fim. Inteligente, isso eu sei... Mas e daí? E, então, cedia, outra lágrima acumulava, e a poesia duplicava. Estou para ser, inteira, sem censura. O conflito: atravessar o mundo, sem partir ao meio. Eu, mais que ele. O olho castanho, o olhar infinito, deita um arco-íris lá dentro. As coisas que eu vejo. Que ninguém vê. Os medos que eu sinto. Um dia, desejou, vou acordar descansada. A recompensa por ter acreditado em anjo.
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