Sunday, May 28, 2006

Quando era pequeno - e me lembro bem dos tempos de colégio -, costumava ser daqueles capitães que escolhiam os times na hora do futebol. Sei, é estranho acreditar, mas o sujeito aqui, que hoje gasta horas e horas com textos e idéias fora da curva, estava entre os dois melhores-da-classe. Lembro bem. Então, na hora de dividir as equipes, às avessas, começava sempre pelo melhor amigo. Que vinha seguido do segundo, que completava a escala das amizades. Então, quando todos esperavam que finalmente iria pelos-que-jogam-bem, putz, que decepção! É que, vai entender, para a terceira, a quarta e todas as outras posições, apontava sempre àqueles que, segundo as minhas certezas, ficariam para depois. Ou porque eram ruins. Ou porque eram feios, baixos, gordinhos, nerds, ou estranhos. Nossa, não era compaixão, não. Simplesmente, e sinceramente, era jogando com eles que me sentia bem. Pois, com o tempo, claro, fui destituído do posto de capitão, porque nosso time, o time nosso, sempre perdia. Apesar de toda diversão. Depois, vieram os anos, chegaram todas as saudades. Quando já de tantas decepções, vi que, na vida, em toda ela, jogaria sempre assim. As fichas apostadas sempre nos ele-não. Sempre. Ah, dava gosto aquilo tudo. Deu gosto. Mas, de um tempo pra cá, quando ainda imaginava jogar com os desvios; bem, de um tempo para cá, vi que não. Que todos aqueles molequinhos que escalava para o meu time cresceram com medo de escorregar. E, nessa batalha por que tomaram a vida sua, nessa luta pelo ele-sim, a vontade maior era... Era ser, assim, do time que, normal, parecia sempre ganhar. Ai, ai, ai. Que desconforto entrou aqui. Que pequena-eterna desilusão. Hoje, tenho a impressão de que, mais e mais, de tantos vira-casacas, jogo sozinho. Os amigos, aqueles dois que fechavam a escala, torceram o nariz. Ganharam dinheiro. Trabalho. E a-minha-mulher. Tudo o que o time Grande sempre soube que escalaria para seus grandes projetos de vida. Agora, parecem estar todos aí, de mãos dadas, juntos na renúncia de cada um. Se soubesse. Que era preciso tanto cuidado para escalar um time de ginásio. Sabendo, teria jogado com os livros desde muito mais cedo. Muito mais.

Saturday, May 27, 2006


Um dia, li. Nem faz tanto tempo, mas dá tanta saudade. É que talvez preferisse nunca ter lido. Que, na vida, as coisas morrem.

Sunday, May 21, 2006


- Minhas fotografias são abstratas demais.
- Sei, sei, abstratas demais. Conceituais demais. Esse é seu problema: sua vida é imaginação.
- Problema? Quem me proíbe de criar a minha arte?
- Não estou falando de arte, Helina; falo da sua vida.
- E quem proíbe minha vida de ser arte?
- Esse é o seu problema. Estou cansado disso, Helina. Tudo, sempre. Todos, sempre. A gente acaba assim. Você e uma suposta incompreensão. E eu, eu... Que quero formas nesses conceitos, quero legenda para sua vida. Não posso, não posso se for para ser assim. Sempre.
- Mas, João, por quê? Por que de novo? Qual o problema com as fotografias? Qual?
- Não são as fotografias, Helina. Não são.
- Não?
- Não sei, talvez sejam. A arte admite lugar para dois?

Friday, May 19, 2006

E tinha saída? Tem saída? Quando as luzes apagaram, porque a energia acabou; quando a cidade dormiu sem silêncio, porque as bombinhas da quadrilha de pipeiros estalaram; quando o vidro retangular na terceira janelinha da cabine vermelha estilhaçou; quando o Samoeida pediu carinho - e saiu do enquadramento -; quando dois bilhetes de vinte cada um pularam fora do bolso; quando "marihuana"; quando lembrei que alguém ali seguia fazendo moda; quando as quatro estações do ano cabiam num único dia; quando, mais velho, ouvi a canção que ela tinha feito com letras minhas. Ahhh, tinha saída? A vida tem um balanço que não enjôa. Andava perguntando: tem saída? Que dúvida me davam os amigos. Onde e por que estariam? Estariam? Podiam eles estar ali, onde eu, poderiam? Tantos sonhos, ei, "London, can you wait?" For all those things I've got to say? Can you? Acho que pudera, sim. Dez anos mais, ela em todas as esquinas. Um livro sobre uma velha banda pop, ou a diferença entre aflição e melancolia. Há? Há, sim, mas ele estava errado. Esse tipo de diferença a gente só sente num domingo à noite, longe de casa, de qualquer que seja, com uma cesta de supermercado nas mãos, duas latas de sardinha, dois sucos 2 por 1, Pringles páprica, pão de forma, legumes enlatados, frutas enlatadas. A diferença... Só quando um turbilhão de novidades atropela os trapos velhos que disfarçam essa roupa nossa tão estranha aos próprios olhos.

Monday, May 01, 2006


Aquele barulhinho, tão escutado no escuro, com o abajour de luz azulada aceso, era, na verdade, música. "Melos" era isso, não? Ritmo que acalma, domestica a alma, cala os deuses e os diabos. Mas era um barulhinho tão regrado, de tempo tão medido, que era música, era paraíso costurado. Então, Elina, Elina, fechou o olho, porque música que era, era música que ensonhava. O canto da sereia? E, com pincel na mão, pintando na escuridão, pensou que, sim, que cada ponta, quando borrava no traço dele, Dufy, o predileto, era sonho desenhado. Pedaço entre o céu e a terra, a asa e o corpo inteiro. Isso: cada gota, porque cada sopro do clarinete, que era barulhinho, em melos, era também esse prefixo de nome pen, ali, aqui, ou quase... Penumbra.
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