Alguma coisa recomeçou em mim. Silenciosa. De tão "alguma", quase não se anunciava. Parecia um novo começo, começo que partia do ponto onde ficara. O mais doído era a falta de vontade de tornar a tocar o toque abandonado. Era olhar para trás na tentativa de prever a página seguinte. Pensei encontrar uma bula velha dentro da carteira. A lista de contra-indicações e efeitos colaterais assustou. Quando me roubaram 40 libras no mercado de Camden, me roubaram. Agora, olho um rosto amedrontado, vejo um anjo indefeso, caído, por pequena e decisiva confusão no céu. Vejo a capa de um disco meu que ficou guardado na gaveta. Vejo uma porção de outras coisas, não tão bem guardadas, soltas, correndo em mim. De mim, às vezes. As vozes repetem um texto perdido além do tempo que foi. Um tumulto entre os trechos de histórias que me foram contadas. O dia em que eu trabalhava, o pequeno lugar de onde eu vinha, lá a gente canta assim, ninguém conhece meu país, o tesouro que é nosso permanece indemonstrável, agradeço-te por, quem sabe voltemo-nos a, quem sabe. Então, entendo que, fora de ordem, as coisas arranjam-se, e arranjam sentido, na traço que me persegue. Ai, ficaram algumas, algumas. Parece que posso senti-las ainda, compreendê-las enfim. Um pouco dos segredos que me explicam estão sendo contados. O baú onde viajavam as correspondências valiosas foi novamente saqueado - um bando atravessou a estrada, atravessou o caminho. Parou e disse: desçam tudo daí. Descer daí, sem planos, dói lá pra dentro. Foi quando recordei, no baile da televisão, o doce momento em que uma fada calabresa invadia a cena com uma varinha de condão. O fantoche que dormia enrolado em tanto fio acordou, bocejou e gritou: a vida será meu pesadelo.
Monday, August 28, 2006
Saturday, August 12, 2006
Distante, distante. Porque a vida tem me separado do mim que era, em transformacao. Existe um mundo diminuído do lado de lá, um mundo que cresce e assusta quando da hora da vontade. Dois ou três minutos parecem suficientes para provar que muita coisa mudou de endereco, que algumas amizades ficaram perdidas no caminho. Os velhos sonhos, acidentes em dias de risco sem susto, reapareceram com educacao, sem deixar vaga para a covardia. Na noite de ontem, sonhei com ontem mesmo, debaixo da fantasia que existe em mim, acordado. Uma cidade nova, sentimentos novos.
Thursday, August 03, 2006
Sabe o medo que tenho... É minha vida, que, para ser o que queria que tivesse sido, tem que ser mentira. O tempo todo. As coisas que descrevo, as aventuras que eu narro, os nomes que eu lembro. Eu invento. Sei que você preferia continuar acreditando que sou Ulisses, Odisseu. Sei disso tudo, mas não posso seguir editando capítulos novos de uma mentira pra lá de velha. Que era mais interessante ter viajado de trem de Praga a Budapeste no lugar de um ônibus Rio-São Paulo, que ter tomado sorvete em Sofia seria sempre muito mais charmoso que o Kibon do Extra da Brigadeiro, que Eduarda Eduardinha mereceria mais atenção num livro de contos premiado que num blog abandonado, que minha mãe fosse saxofonista, que o primeiro poema tivesse brotado do meu terceiro aniversário, que minha maior e mais devastadora disenteria fosse dublinense. Que meu compositor preferido fosse Bartók; não, não, Shostakovich, e não por causa dos quartetos, mas pelos 24 prelúdios nos dedos do Jarrett. Eu sei, pudesse escolher e também desejaria isso em você. Nossas vidas acabaram muito comuns. E, por isso, é quase como se tivessem acabado já. Mas têm os livros ainda, tenho a literatura, a imaginação e, nelas, a chance de mentir com poesia. Tranqüilo e sem condenação.