Thursday, August 03, 2006



Sabe o medo que tenho... É minha vida, que, para ser o que queria que tivesse sido, tem que ser mentira. O tempo todo. As coisas que descrevo, as aventuras que eu narro, os nomes que eu lembro. Eu invento. Sei que você preferia continuar acreditando que sou Ulisses, Odisseu. Sei disso tudo, mas não posso seguir editando capítulos novos de uma mentira pra lá de velha. Que era mais interessante ter viajado de trem de Praga a Budapeste no lugar de um ônibus Rio-São Paulo, que ter tomado sorvete em Sofia seria sempre muito mais charmoso que o Kibon do Extra da Brigadeiro, que Eduarda Eduardinha mereceria mais atenção num livro de contos premiado que num blog abandonado, que minha mãe fosse saxofonista, que o primeiro poema tivesse brotado do meu terceiro aniversário, que minha maior e mais devastadora disenteria fosse dublinense. Que meu compositor preferido fosse Bartók; não, não, Shostakovich, e não por causa dos quartetos, mas pelos 24 prelúdios nos dedos do Jarrett. Eu sei, pudesse escolher e também desejaria isso em você. Nossas vidas acabaram muito comuns. E, por isso, é quase como se tivessem acabado já. Mas têm os livros ainda, tenho a literatura, a imaginação e, nelas, a chance de mentir com poesia. Tranqüilo e sem condenação.
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