Alguma coisa recomeçou em mim. Silenciosa. De tão "alguma", quase não se anunciava. Parecia um novo começo, começo que partia do ponto onde ficara. O mais doído era a falta de vontade de tornar a tocar o toque abandonado. Era olhar para trás na tentativa de prever a página seguinte. Pensei encontrar uma bula velha dentro da carteira. A lista de contra-indicações e efeitos colaterais assustou. Quando me roubaram 40 libras no mercado de Camden, me roubaram. Agora, olho um rosto amedrontado, vejo um anjo indefeso, caído, por pequena e decisiva confusão no céu. Vejo a capa de um disco meu que ficou guardado na gaveta. Vejo uma porção de outras coisas, não tão bem guardadas, soltas, correndo em mim. De mim, às vezes. As vozes repetem um texto perdido além do tempo que foi. Um tumulto entre os trechos de histórias que me foram contadas. O dia em que eu trabalhava, o pequeno lugar de onde eu vinha, lá a gente canta assim, ninguém conhece meu país, o tesouro que é nosso permanece indemonstrável, agradeço-te por, quem sabe voltemo-nos a, quem sabe. Então, entendo que, fora de ordem, as coisas arranjam-se, e arranjam sentido, na traço que me persegue. Ai, ficaram algumas, algumas. Parece que posso senti-las ainda, compreendê-las enfim. Um pouco dos segredos que me explicam estão sendo contados. O baú onde viajavam as correspondências valiosas foi novamente saqueado - um bando atravessou a estrada, atravessou o caminho. Parou e disse: desçam tudo daí. Descer daí, sem planos, dói lá pra dentro. Foi quando recordei, no baile da televisão, o doce momento em que uma fada calabresa invadia a cena com uma varinha de condão. O fantoche que dormia enrolado em tanto fio acordou, bocejou e gritou: a vida será meu pesadelo.
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