Victor subiu no muro que dava para o telhado de trás, onde tinha se escondido algumas vezes para fumar. Estava garoando, não daria para acender um cigarro. Mas, se chorasse, ninguém perceberia.
Ninguém percebeu quando Victor correu para debaixo da cama, porque tinham esquecido seu aniversário na escola. Anos depois, voltando para casa num dia de chuva, olhando a cidade, o corpo e a alma resfriada, pediu uma pizza. O entregador, molhado, não reparou que Victor estava com os olhos cheios d'água, por causa da maneira como a vida acontece, como a vida acontecia. Separou dois reais, esforçando-se para ocupar a cabeça, para desfazer o motivo de chover por dentro cada vez que chovia lá fora.
Victor andava pensando em tanta coisa. Nos amigos que ficaram pelo caminho, na família que ficaria pelo caminho, nos lugares, nos vazios, em tudo aquilo que, apagando, lembrava a cena de De volta para o futuro, com a foto regressiva. O futuro está aí para dizer que a gente não estará.
Desde que testou pela primeira vez, Victor precisou passar a subir, com frequência crescente, no muro que dava para o telhado de trás.
Numa festa esquisita, num churrasco entre pessoas que mal conhecia, na fila para pegar o visto de partida, na fila no velório da tia Adriana, numa noite néon em Buenos Aires, numa noite amarelada em Sófia, olhando uma placa de rua em São Paulo, ou pagando a gorjeta da pizza. De repente, uma fragilidade cobre a pele, uma confusão turva a vista e Victor sente uma falta irreparável das tardes em que fumava escondido, protegido das garras do mundo, da ferida da vida, contando as telhas do vizinho dos fundos.