Enquanto o Felipe repetia que ninguém instruiu a gente para atender a frequência da delicadeza, que a vida é dura, que a vida que a gente escolheu, mas que a gente não escolheu, mas escolheu tocar adiante, não funciona de acordo com tanta coisa de que a gente precisa para funcionar bem, tomei três ou quatro goles seguidos da cerveja que eu tinha na mão. Tinha passado a semana lutando contra as luzes que refletem no vidro do ônibus, à noite; essas luzes que vomitam uma cidade indescritivelmente frágil, sem fim, sem mais promessas.
- Serveja, brinquei, quando fiquei bêbado 6 anos atrás.
O que o Felipe estava querendo dizer, ou o que eu entendi do Felipe, é que a gente entra num samba e repete o passo, mas o passo não muda o ritmo da gente a ponto de mudar as forças que, lá dentro, disputam com a selvageria que ataca daqui de fora. Selvageria que nunca é condescendente com a delicadeza. Mas, no fundo, o Felipe queria acreditar, e eu também, que todo mundo, todo, todo mundo é quebradiço, e mais delicado, quando descobre que o pai precisa pausar o tratamento de Parkinson para começar outro tratamento, ou vai morrer. Talvez morra mesmo assim.
E, de novo, olhando o reflexo da luz esverdeada pelo vidro da garrafa, pensei no dia em que cruzei um lago azul, em busca da delicadeza, ouvindo a música mais bonita de um amigo chamado Durand - mas uma cerveja nem nada duram o suficiente.