Wednesday, May 28, 2014

Estava na sala agora há pouco, quando meu telefone tremeu e vi que tinha recebido um alerta. Antes, era o telefone que tocava, quando tocava, para dizer que faz tanto, tanto tempo que a gente não se fala e por esses dias pensei em você, acredita? 
Tinha uns 6, 7 anos que não falava com o Bruno. Trabalhamos juntos lá atrás; depois, ele mudou de emprego, eu mudei de país, não sei, nunca mais. Daí, nesse meio do caminho, li Amigos que no he vuelto a ver e chorei, chorei mesmo, em mais de um dos contos. É que aquela história dos amigos que saíram da Espanha até Berlim de carro, em plenos 70, tanto sonho, que dá saudade até em quem só nasceu na década seguinte.  
21:32 E agora estou dando aula para uma rapaziada que nasceu em 95, acredita? Em 95 eu estava descobrindo o Pulp e tentando convencer os pais dos meus amigos a deixar eles irem comigo numas festas em Santa Cecília. 
Quando percebi que os boxezinhos do What's up não estavam mais dando conta dos 7 anos de silêncio, decidi ligar. E foi uma comédia ouvir o Bruno, mais rouco, meio gaguejando, porque, na verdade, ele queria mesmo era ter ligado, mas ficou sem jeito, acho; porque imagina o que é achar o telefone de alguém, depois de anos, no linkedin. 
Falamos de uma porção de coisas, de coisas que falávamos 7 anos atrás e das coisas que não falamos em 7 anos. Contou que tinha saído da casa da ex-professora, história esquisita, e que estava morando com uma namorada, e que estava feliz, e que tinham uma casa, um cachorro, e que, no final, agora entendo algumas coisas, ele disse. Estava trabalhando muito também.  
Conversa vai, vem, e ele me convida para jantar na casa deles, porque vão se casar e pensaram, faz sentido, gostaríamos que você fosse o padrinho.
Depois que desliguei, indo até a cozinha pegar uma uva, pensando que todo mundo dá um conto, que todo mundo se perde algum dia, se perde de vários outros e de alguns outros que, por algum motivo, foram mais especiais, fiz, por três vezes, um sim mecânico com a cabeça. Um gesto tão sem pensar quanto a saliva que juntou na boca, enquanto eu mastigava. Pensei que, sim, depois de todas as conversas que tivemos voltando do trabalho, no ônibus, subindo a Brigadeiro; do tanto que eu insisti, porque estava convencido de que, por maior que fosse a asneira que eu falava, falava com sinceridade; pensei que fazia sentido e me senti tão, mas muito em paz, porque aquelas conversas de bus, que nunca chegaram a ser de bar, ficaram no Bruno e ajudaram aquele sujeito, que era uma humanidade, a ser feliz.  
E fiquei só imaginando que voltaria a vê-lo mais gordo e mais feliz. 
 

Monday, May 26, 2014

Fui viajar até o Sul, pelo sul. Tomei um barco que saía da frente de um hotel turístico de Bariloche; um amigo me disse que eu deveria guardar dinheiro para passar ao menos uma noite ali. Do píer, de onde saímos, vi o hotel detrás de uma névoa, que se movimentava devagar, horizontal e verticalmente, num tempo diferente do do vento, que, lá embaixo, parecia mais forte, mais rápido. E fazia sol. 
Quando o barco começou a balançar, a tomar o lago em direção aos bosques, aquele azul imenso, difícil dizer se era o céu refletido na água, ou a água, o brilho atrapalhava a vista, ficava difícil fazer foto, porque era muita luz cruzada, impossível perseguir o rastro dos raios: só a sensação toda. 
Uma visão assombrosa. A beleza que o mundo tem; as rotas de fuga acabam sendo impraticáveis, porque a novidade do mundo desmonta a nossa segurança, tão frágil e tão dependente da certeza da rotina. Fui vendo cada dobra da água, protegendo o olho dos reflexos do sol; reparando onde a vegetação começava em cada trecho das margens; as montanhas impunham os contornos que só alguma coisa do tamanho de uma montanha é capaz de impor. O barco seguia numa velocidade média, duplicando o impacto do vento: só algumas pessoas experimentavam a área externa, por causa do frio. 
Tinha planejado fazer o passeio ouvindo a música do Federico Durand. Porque, num primeiro momento, me disse ele, era só uma melodia, que foi se desenhando conforme se corporificava e virava som. Uma melodia que chamava "travessia". E enquanto eu chorava, e o vento secava as lágrimas, via tudo tão branco, o diafragma muito aberto, dessas indigestões de quando a gente come demais, o olho maior que a boca, menino. 
Acho que quando o Eno fez "An ending" deveria estar, assim, engasgado. 
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