Tinha tempo que Lígia não ligava. Na verdade, tinha tempo que, apesar de amigos de Facebook e essas coisas, não trocavam um curtir, uma mensagem, e-mail, que dirá um telefonema. Por isso, quando atendeu a chamada, e o telefone não denunciou quem era, levou entre 5 e 10 segundos para, apesar do mesmo sotaque de interior, dizer um "caramba, Lígia. Deve fazer uns 6 anos que a gente não se fala".
Tinham trabalhado juntos, por 5 anos. Eram da mesma área, numa empresa pequena, dessas em que todo mundo se fala, mesmo sem ter vontade ou precisar. Na época, tocaram mais de um projeto juntos, pensaram planos de comunicação com toque de bibliografia de graduação, ações de lançamento de campanhas e outras coisas que, hoje - e mesmo por aqueles dias - têm quase nada de importância. Não fossem, claro, as histórias compartilhadas com um par de pessoas interessantes. Depois que Rodrigo mudou de emprego, que mudou de quase tudo, falaram uma ou outra vez pelo messenger ("Acabou, Rodrigo, acredita?"), ficaram de marcar um chopp, um papo, um café, um livro, um dia. Rodrigo mostrou uma porção de discos que Lígia esqueceu. Bem possivelmente por isso, enquanto explicava como conseguira o número, a ex-colega de Santa Bárbara fez questão de dar um jeito de incluir um "ainda escuta El mato"?
Rodrigo perdeu um pouco o fio da conversa, longe, pensando em todas aquelas coisas que uma visita ao que não existe mais traz: o ar abafado da sala sem janela, o humor divertido do programador, o romance exagerado do seu chefe com o assessor de imprensa, a chilena de peitinhos lindos que mais tarde casaria com outro chefe seu, o dupla (e amigo grande) com quem dividia a mesa e as responsabilidades, o café da Rose, a proprietária do imóvel que às vezes aparecia para cobrar o aluguel. Caramba, Lígia.
Agora, depois desses anos, depois das histórias que não sabiam um do outro, acumuladas com as histórias que, já antes, não tiveram tempo nem oportunidade de trocar, tinham saudade, tinham mais ideias inacabadas e medos novos. Lígia estava casada, Rodrigo estava em casa. Será que a gente marca aquela cerveja? Estou viajando para Buenos Aires. Atrapalhado, depois de amanhã. Estou terminando meu doutorado.
Pena mesmo.