Vi a mensagem de D. num Starbucks da Callao. Ficamos de combinar alguma coisa, mas precisei sair mais cedo, para ver alguns livros e Buenos Aires. Então, quando li a última resposta, depois de aceitar todas as condições para usar o wi-fi, fui meio depressa procurar um lugar de onde eu pudesse fazer a chamada.
Muita coisa estava fechada, sem sistema. Passei por uma rua, onde, em 2007, a praça ainda não estava cercada. Foi curioso. Olhei, lembrei. E imediatamente corri para ver se a livraria onde comprei La joven guardia, por sugestão do vendedor, continuava no mesmo lugar.
Perguntei num kiosko por algum telefone. Pediram para eu virar na próxima rua à direita. Entrei, pedi uma cabine e disquei o número de D., que atendeu, reconhecendo minha voz. Ou o meu sotaque. Estava perto, no centro, e lembrava que D. tinha reclamado da confusão de morar no meio de tudo. Disse que descia em 15 minutos, para a gente se encontrar em frente à livraria Hernández. No dia anterior, tinha comprado o siglo XX na loja, que até me deu um livro de graça. A cidade ainda tem muitas e charmosas livrarias. O dono realmente lê e tem sempre boas sugestões para guiar o passeio pelas prateleiras, frequentemente desorganizadas.
Caminhamos até o apartamento, num edifício antigo, numa rua apertada. Do lado de fora, e mesmo do hall de entrada, com diversos detalhes do começo do século XX, a sensação é de estar a alguns minutos de um apartamento gelado e escuro. Quando D. abriu a porta e demos surpreendentemente com um vitral aconchegante, entendi que um projeto como o que D. vinha desenvolvendo há anos traduzia um espaço claro e uma harmonia fiéis à euforia que eu estava sentindo ali. Muita alegria, fascinação, e em paz. D. mostrou os cômodos, explicou um pouco o ritual de cada um deles, até chegar no seu quarto de criação. Foi quando conheci Mumi, gatinha manhosa, mas simpática, que, a partir de então, passou a acompanhar nossa tarde: da mesa ao chá na cozinha, do sofá à vitrola.
D. tinha recebido um vinil do Japão, registro de uma colaboração sua com um artista de lá. Estoy planeando mi viaje a Japón - vienes? Um poema. Ficamos ouvindo em silêncio, enquanto a água esquentava no fogo e eu me convencia de que algumas decisões nossas, nem sempre as mais importantes - muitas vezes elas -, nos levam exatamente para onde precisamos estar. Por uma tarde. De verdade, pode significar o começo de uma vida inteira.
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