Saímos do metrô e sentamos num café bem perto. Fazia tempo que a gente não se via. Uns quatro anos, pensei. Saiu para morar fora; fiquei. Estava viajando durante as férias dela em São Paulo. Bogotá. Depois, entrei no mestrado, ganhei uma bolsa porca e fiquei alguns anos sem sair do Brasil. Dois anos, acho.
Falamos pouco, poucas vezes, por e-mail. Inclusive, numa dessas mensagens, Sandra pediu para eu ler Coetzee, e eu com tantos latino-americanos na fila, com toda uma nova narrativa argentina na frente, além de todos os Habermas que precisava entregar semanalmente na faculdade. Não li. E falamos menos ainda.
Perguntei sobre a decisão de ficar na França. Da última vez que tínhamos coincidido em São Paulo, dissera que tinha saído tarde demais e que era impossível não pensar nas coisas que estavam terminando por aqui. As tardes entre amigos, nos sábados, nos domingos; os ensaios da banda com os irmãos, o sobrinho, os programas, o cinema, a música, o futuro inteiro, que era presente do lado de lá, e que nunca seria o que tinha imaginado que seria aqui. Foi difícil, disfarçou com um gole de Coca, mas, do jeito que tinha arranjado as coisas, as pessoas, o salário, o jeito de continuar, era praticamente impossível colocar novamente em risco o que eu tinha aqui pelo que eu já não tinha lá. Caramba, pensei, parti um pedaço do bolo, de um chocolate amargo e doce demais. Você sabe, completei, no tempo em que morei fora, mais curto, tive medo de um monte de coisas, porque, no fundo, o mais complicado é aceitar que não damos pause em nada, que o nosso mundo nunca esperou nem vai esperar pela nossa volta, que o nosso mundo não existe lá fora, fora da gente, que as coisas estão aqui - coloquei a mão no peito - e são só elas que a gente carrega quando entra num avião para cinco anos fora, ou num ônibus para um fim de semana no interior.
Sandra olhou para o resto de bolo. Por que a gente se falou tão pouco esses anos todos? Por que a gente se falou tanto antes de eu viajar? Discordei em parte, porque fazia tempo já que não aparecia nos encontros de sábado da sua casa, lembra? Inclusive, foi uma baita surpresa ler sua convocatória para a festa de despedida. Cheguei com algumas garrafas de cerveja, que comecei a beber pelo caminho, porque sabia que chegaria meio sem graça, meio tímido da ausência longa, sem muita explicação. Andava meio avulso, sou meio avulso, mas fiquei sem jeito de dizer que não cabia entre as discussões sobre o controle do petróleo na Venezuela, a semiótica para uma educação mais justa, a Comuna de Paris ou as sociedades sustentáveis, tomando cerveja e ouvindo música boa, tão boas justamente por existirem, antes e depois, alheios a todas aquelas discussões. Não sei. Na verdade, não sei dizer por que também leio muito disso, porque me matriculei num mestrado, se, no fundo, acho que a revolução não sai do meu quarto, tamanho o receio e o pudor de trazer alguém, sem receio e sem pudor, para o lado da gente.
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