Estava difícil conseguir uma cabine telefônica para fazer a ligação. Era feriado, os locutórios, as lojas, tudo meio fechado. Até o tempo, nos outros dias tão claro e iluminado, andava nublado, com um vento gelado cruzando a gente por todos os lados. Coloquei o capuz; fiquei na dúvida se H. me acharia assim.
Combinamos na esquina da Santa Fé com a General Díaz. Passou pouco mais de 10 minutos, e estávamos todos lá, conforme combinamos 10 minutos antes, numa chamada curta, a única que consegui fazer de um kiosko bem vagabundo. Quando estava saindo, a moça quis me dizer que os clientes estavam atrapalhando seu serviço de limpeza. Não termino de varrer hoje. Fingi que não era comigo - no fundo, não era mesmo. Ela estava trabalhando num feriado enquanto eu estava em férias.
H. gritou meu nome, cantado, do outro lado da rua. Peeeedro!
Reencontrar H. é sempre um sopro de esperança nas coisas e nas pessoas que podem fazer do mundo um espaço onde eu caibo. Depois de alguns dias dando voltas por Buenos Aires, revendo lugares, revendo pessoas que estiveram comigo em alguns desses lugares, imaginando onde estariam, se estariam, pensando no tanto que quisemos e sonhamos fazer enquanto estávamos juntos, tive certeza de que a fragilidade das coisas é justamente o processo inevitável que, em cada uma delas, nos faz perder a certeza das coisas. Ficar mais velho é assim. Não tenho mais certeza de nada, confio cada vez mais em menos pessoas e leio. Leio muito e de tudo. Porque não entendo de mais nada; o mundo foi ficando difícil e poucas coisas conseguem se passar por naturais.
Falei um pouco disso, em outras palavras, enquanto almoçávamos num restaurante árabe, em Palermo. Quisemos contar um pouco de como andam as coisas do lado de lá. O que tinha mudado, alguma coisa permaneceu? Demos risada; a namorada do H. até colocou a mão na cabeça, muita coisa anda tumultuando a minha. Ela percebeu.
Esticamos a conversa, as curiosidades, as recomendações e a amizade, até o garçom avisar que a cozinha estava encerrando e que faltava pouco para o restaurante fechar. Foi bom. Saímos para andar e visitar algumas livrarias; pedi algumas dicas, sempre gosto de ler literatura argentina contemporânea e nova. De alguma maneira, ou de muitas, acho que daria um bom personagem de um livro portenho. Mesmo que fosse como estrangeiro. Ando nas ruas frias e vazias, mais a melancolia, que, com certeza, é o código que me leva para perto, de um jeito bem confortável, de personagens como H. "Es un personaje", lembrou H. da expressão que eu usava anos atrás, ao descrever um amigo de uma banda também da cidade. Caçamos alguns nomes entre as prateleiras, consultamos vendedores, H. recebeu uma lista com sugestões de um amigo seu e cansamos do frio. No meio do caminho, amanhã a gente se fala, deixei um beijo nos dois e entrei para tomar um chá num café de esquina. Li um pouco de Damián Ríos, pensei na música de Federico Durand e não disfarcei o olho molhado, de leve, em homenagem a tudo que mancha a gente de saudade.
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