Ontem, a Marcela me ligou, vamos comer uma pizza? Uma pizza pra dois, mais que bom. Pedi um chopp, ela ficou me olhando, estava um pouco longe, com cara de saudade. "Cara de saudade'", meu vô falava, as tardes de domingo lá em casa, torcendo para o São Paulo, enquanto, de saco cheio, esperava, doido para jogar bola no quintal. Sei o gosto de torcer na sala, entre adultos. Para rir, quando riem. Ou "filho da puta", quando "cuzão". Falei, a Marcela deu risada. Andava com saudade de torcer lá em casa. As coisas andam meio esquisitas, Vítor, meio esquisitas. Eu sei. Ando sentindo também. Sabe, tem fim de semana que passo. Passa? É, fico esticada na cama, sem muito sono, mas pouca vontade de levantar. Caramba, pensei. Ontem mesmo, essa coisa de Dia das Mães, fui ver meus mais, fazia duas semanas. Comemos num restaurante perto de casa. Pedimos vinho. E fiquei reparando no detalhe de cada olho, em como meu pai está aceitando envelhecer. E morrer, de fato. Coisa engraçada. Não sei sentar perto sem reparar na cara de saudade. Então, foi alguma palavra, e algum gesto, mais as palavras do que o gesto, porque a palavra certa na hora certa, tão difícil de acontecer, é devastadora. Olhei no olho, de novo, e entendi que é assim que a vida acontece. A gente aceita uma falta aqui, uma ausência ali, muita coisa somando, deixando de existir. Mas, Vítor, e você, querido? Tanto tempo. Tempo estimado: 30 minutos. Estou levando uma vida delivery. As coisas têm que vir. Ou não vou atrás. Coloco um disquinho, que comprei pela internet, e danço coisa de dois ou três minutos. Depois, deito no chão, relaxo a coluna e penso em alguns amigos. Poxa, a gente não se vê mais. E numa garota que mora na Argentina. Quando papai chamou a conta, pediu a máquina do cartão. Prestei atenção e observei que já não confere mais a nota. Sabe, Vítor, a gente percebe as coisas ficando complicadas quando elas ficam complicadas. Senão, não. Não sei, Marcela, parece que a ordem é toda para ver você dançando, com medo de queimar o pé no chão. Se você para, e descansa, que medo. Isso daqui, esse pedaço de Marguerita, você falando, tão bonita, tão devagar, preciso tomar cuidado. Ou a gente faz tudo igual, na esperança de que dê tudo certo, ou a gente assusta. Você tem razão, querido. Lembra quando pintei a unha do seu polegar de preto, lá em casa? Claro, a sua tia errou meu nome todas as vezes. Víctor, Víctor, o "c" marcado na fala. Ai, meu Deus. Vou desligar o celular.
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