Sete ou oito semanas antes, sonhara com o mesmo paciente, em condições diferentes, jogando handball – incrível destreza para um canhoto, se há sentido em dizê-lo: um canhoto destro –, numa quadra igual à do colégio em que estudei. No sonho, marcara um, dois, três gols, correndo pelo lado esquerdo, arremesso firme e bola cruzada. Então, sem explicação razoável, caíra, em paz, morto já. Não houve tempo para aflição, pois acordei imediatamente. Quando liguei para casa, no domingo seguinte, mamãe comentou sobre a operação agendada, cirurgia no coração. Quatro dias depois: “alguma coisa deu errado. Perdeu a fala, sabe-se já, e os movimentos do lado esquerdo”. A destreza, imaginei. Perdera a destreza. A notícia viera para espantar; por trás da tragédia, escondia-se uma perplexidade geral, pesar comum a quase todo mundo: “ele, bem ele, que tanto ganhara repetindo o diálogo dos outros.” Impensável, do lado de cá, imaginar o que possa ser não ter voz para pedir pela última renúncia: “prefiro morrer”.
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