Gosto dos tempos que não precisam muito coisa. Dos advérbios também. Muitas vezes, é só a maneira como a gente usa. "Antes", por exemplo. Lírico o "antes" que não diz bem quando.
Antes, bem antes, quando passava as tardes no quintal de casa, sem ter que trabalhar. Alimentei tartaruga, cacei formiga com um pote de cola branca, deitei no chão frio, apoiei a cabeça numa barriga de dálmata, vi o programa da tarde, mãe!; queimei folha de limoeiro, espremi pitanga, nadei num cercadinho de plástico, fumei (escondido), armei uma armadilha, fui segundo lugar no quarteirão-cross, montei uma banquinha de brinquedos velhos, rolei com irmão, belisquei irmã e testei a internet mais tarde - para não parar de avançar sobre o computador. Nesse tempo, agora batizado tão modestamente, sobrava projeto de vida. Gastando as horas com fantasia. Um dia, na expectativa de que houvesse sentido para o mundo, limpei o pó, sacudi caixa, abri álbum e guardei, por sorte, o mistério de três fotografias. Ingenuamente - e sem plano de tornar a encontrá-las anos depois -, escaneei um pouco da história da família. Foi leve e engraçado. Hoje, tropeço num cd back-up não identificado, nó na garganta: o reencontro com tanto sépia afirma a saudade do meu tempo, cabendo mais e mais no tão vago e tolerante "antes".
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