Friday, November 23, 2007

No café da manhã, o destino até a geladeira, em busca do pote de iogurte da marca do supermercado. De volta à sala, antes de arrumar a mesa, passo até o armário; a refeição, para ser completa, corn flakes, também da marca do supermercado. Em seguida, um pacote com torradas, mais ou menos 9. A variação de um saquinho para o outro, dentro do saco maior, comprado a preço baixo, o preço da marca do supermercado. Tudo na mesa, ajeitado; olhava pela janela: tem jeito de a vida não ser sempre igual. Embora o café da manhã, o almoço e o jantar tivessem a medida da mesma marca de supermercado. No café da manhã, tinha tempo de pensar nos cafés do almoço, da tarde e do dia inteiro. Durante o dia inteiro, buscava brecha para pensar no dia seguinte. E, no fim da vida, o medo, ter tempo de lembrar tudo de novo? No café da manhã (ainda), a sensação de adivinhar, letra a letra, um trecho de livro, um pensamento, por acontecer, por alguns instantes, numa página a caminho. Mantinha, à custa do receio a gesto esquisito, o caderno, "telepatia abre em mim um catálogo de ficção - e alguém acreditar?". O texto, a pausa, as palavras com calma e cuidado, reunidas na ordem da vidência: a encarnação de um livro desconhecido. Na hora do café da manhã. Cada história por vez, os parágrafos psicografados. Simples, bonita, a musa inspiração deitava quase de graça, cobrava preço baixo, com etiqueta da marca do supermercado. O leite, os flocos estalando nos dentes, leitura demais. Quando desmontou. Porque haveria o dia seguinte, pensado na brecha do dia anterior. E deu medo. O joelho apertou, a boca sem água, o estômago desregulado, a atenção bagunçada, o sonho desmanchando à medida que abandonava esse terreno promissor que é a fantasia. Bateu o olho, lendo na cama: a mesma passagem, palavra a palavra, aconteceu. E alguém acreditar? Escrito de mim um livro que não é meu?
"Ano após ano, o tempo mastiga casamentos, falsas amizades, filhos incompreensivos. Sobram-nos as velhas referências, a sólida terra firme do companheirismo antigo, aqueles que nos viram pelados, que um dia descontruíram nossa história, que sabem da nossa dor, da nossa solidão, do nosso desespero." (Eles eram muitos cavalos, Ruffato).
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