Esquisito. Tinha dias que não passava da mesma página do livro. O incômodo com o episódio não censurava a curiosidade. Lendo, lá para o fim da página, sentia isso que as pessoas apelidam de "vazio". "Não sei, Raul, é um vazio, meu bem" - disse Rosana, muito longe dali, dias antes de pedir "separação". Com o livro, vinha sendo semelhante. Na falta de um texto melhor, Lucas repetia, de olho fechado: "é um vazio, caramba". Sem acreditar em Deus, acreditando em mágica, amizade e literatura. Mas há coisa de semana, na página setenta e seis, depois de tomos e tomos de ficção pior, estava interditado, no meio de uma história disposta a contar mais. A vida, acho. Engasgada. Não é nada com o livro, não. O tédio é meu. E saindo do trabalho, deixando a arquitetura moderna da agência onde todo dia venera o nada; pensando no tanto da vida que seca no caminho - também em nome de nada -, avaliando as trocas, barganhas e renúncias, "você será feliz com mulher, família e trabalho". Não, tia Flori: cresci, minha santa. Casei, um pequeno filho, o Gabriel. E mais de semana, Dinda. As páginas do livro parecem sempre iguais. Subindo a Cardeal, contrafluxo, os carros descendo, a fumaça no rosto. Na mão fechada, o brinquedinho moderno, da cor da agência moderna, brinde da promoção da Kibon: a esperança de afogar a desgraça nos minutos e meio de um punhado de mp3s.
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