É preciso provar o passo adiante, com a dor prevista e o sangue escorrido. Esperar o dia seguinte com a certeza de que também será lembrança. O nome dessa rua, a paúra do efeito que o tempo tem. Passei uma primeira vez pensando que passaria para sempre. Dependo da memória. Se quiser ser o que sempre fui, terei de lembrar. Não esquecer que sou. O labirinto onde me perdi sozinho e encontrei o caminho que valeria só para mim; até o labirinto precisa permanecer. Houve um rosto esquisito, um assobio ofensivo, uma luz contra outra sombra. Houve eu. Havendo ainda. No dia em que eu disser "saudade", será de mim. Na noite quando estiver longe, quero a mágica de poder chegar mais perto. Outra vez. Atormenta ouvir o tchau a tudo o que faz da gente o que a gente é. A praça trocou o chão, minha pegada desmanchou. Cada vez que piso no mesmo lugar, tem um vento que me confunde. O ciclo é mordaz. Têm vezes que duvido só por duvidar. E em certos dias, algumas coisas duvidam de mim. Eu apago, pequeno, gastado no inútil do combate. Lembram-se de mim? O sol está escondido atrás do quarto que terá sido meu, sendo ainda. A mão que me cumprimentou pela primeira vez deu a impressão de que será possível. Agradeço de coração. O sotaque talhado em cada ruga, a textura entre as dobras do dedo, a força calculada para um aperto generoso. Obrigado mesmo, vou me lembrar de você. Os dois pratos sobre a bandeja livre; a alegria de juntar a lentilha e o sabor importado de casa. O improvável dia da chegada, repetido com tanta humildade. Uma cidade com começo no "L". Um nome com fim no "a". A ansiedade de quem não sabe esperar, tendo esperado tanto. O abraço. O trem. Sei, não peço para virem comigo, porque entendo nossa condição. Se puderem, lembrem de mim. Nem toda uma vida tirará vocês daqui.
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