Era lógico que poderia mudar, que poderíamos mudar. Que havia tempo e espaço para ser diferente. Ou não ser, sob a ótica dos outros. Acreditar no movimento em falso, no traço novo, no rabisco arriscado, na nota fora do lugar, nos pigmentos sem coesão. Era lógico. No escuro da solidão, no quarto dos sozinhos, longe e perto uns dos outros, como estranhos e desencontrados, era acreditando que se dava o anúncio do tempo por chegar. Quando olhou para o teto, percorrendo o retrato de Maria Luísa, pintado por Ado, amigo seu, pensou na bossa reinventada de uma garota chamada Helô: "É quando, quando me destesto e inauguro um novo gesto pra dizer que foi, Helô". O futuro era o presente dos sozinhos, que vivem fora de tempo, em canto apagado. Mas a vida seguia, em passos largos, muy pocas veces cortos. O compasso da música que aplaudem amanhã emperra no ouvido manso de quem hoje abençoa as linhas escritas no tempo da saudade. E, assim, a existência, às vezes pacata, se dividia em três movimentos: o ido, o sendo e o em ser.
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