Andando pela Paulista, cheia, debaixo de chuva, imaginando que um bom livro leva a gente para outro lugar. Pensei que poderia estar na cama, lendo, reconstruindo as ruas de um bairro de Kiev. Gozado: com frio, prestando atenção ao que estava pensando, me perguntei se não estaria numa cama de um quarto de hotel, em Kiev, recuperando as luzes da Paulista numa noite de chuva e frio, com um livro na mão.
Tocou o telefone. Olhei o visor; era da Argentina. Bem hoje, essa chamada da Argentina, querendo dizer "vai, que ainda estou aqui". Eu, que dois anos antes preferi não arriscar, ter cuidado com as seduções que podem mudar a sua vida. Não era ela me chamando. Mudar a vida. O jeito de falar e avançar sobre o meu espaço, meu receio, meu talvez seja melhor não. Hoje, na falta de um livro bom, ou justamente por causa dele, andando pela Paulista, num bairro de Kiev, fico quase convencido de que talvez fosse melhor sim. Teria beijado o canto do lábio, com a mão experimentando o vestido na altura dos joelhos; descido o rosto até o pescoço, esse tomara que caia, modelo que acho tão lindo desde difícil dizer quando. Apertaria o corpo com um abraço firme, agitado, apressado, desesperado. Quando terminasse o primeiro beijo, eufórico e com um pouco de medo, marcaria alguma coisa para logo depois, pego um avião, a gente vai ser. Porque eu vou precisar te tocar mais, te querer muito, enquanto a gente estiver junto, afinando o tesão, os sotaques, esquecendo os planos e as decepções.
Vou sentar agora para reler o livro que li semana passada, entre sofá-cama, táxi e avião. You get so alone at times that it just makes sense.
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