O problema é ser palavra. Não sei. Veja: o problema de qualquer coisa é ser o que ela é, sem ser de fato o nome que tem, entende? Digo: é aí que começa o problema. Um dia, depois do lanche, no meio da tarde, da noite, com ou sem azia, pouco importa. Você levanta da mesa, deixa o prato na pia, recolhe o feijão, amassa o guardanapo, sente o fiapo entre os dentes, escorrega na cerâmica, aperta o botão, experimenta a sobremesa, até responde à campainha. E, então, de repente, porque coisas assim são sempre acidente, você estala, apita, vem a conta de que "azia", "prato" e "pia", ou qualquer palavra, Jesus, dariam muito, tudo que têm, para pular para fora, existir absolutas, senhoras de si, fora de uma grafia que obedece a hora e lugar. Ah, palavra, que mal você nos faz. Triste com, impossível sem. Amo, odeio. Me tens seqüestrado: eu, você, meu mundo inteiro. Aí, evidente, você dirá que sim, que evidentemente, que claro, você não percebe, tudo, o universo todo existe sem a imaginação. E eu, brilhando, confuso, um pouco fora daqui, farei que não, sem pensar duas vezes vou gritar que sim, que eu sei, Senhor, nasci de Deus, sou igual a todos os meus irmãos. Amém.
<< Home