Tuesday, April 10, 2007

O brinquedo estava guardado no andar mais alto. Era assim que via aquela prateleira: um prédio de muitos andares. E, cada vez que experimentava um degrau maior, o perigo chegava mais perto. Cheio de risco. O trem corre diferente, se chega de cima, voando. Se vem rápido e colorido, dobrando, feito centopéia. No sonho, na cama, quando havia pouco problema, apesar do medo sempre grande, era assim que acontecia. Visto dali de baixo, do chão, contrapicado, o vagão ficava enorme. Não faltava espaço para tudo que, querendo, haveria de estar lá dentro, estando. No meio do caminho, peças soltas de um quebra-cabeça, baralho, senhas e jogo da memória. Para não lembrar do "da vida", tão modesto, testado sem truques nos anos seguintes. A boneca com capuz e babador perfumava o caminho: o cheiro de borracha dá sede até em gente grande - não dá, Estela? Subir alto, quanto mais alto, é novidade. Hoje fui mais longe. Nada de amarelinha: o céu estava mesmo lá para cima. Pôs o primeiro pé, o direito. Encaixou os braços, apoiados nas barras verticais. Empurrou os Comandos em Ação, desarmados por alguns instantes. Foi para o segundo, mais alto, elevado, uma pequena pilha de livros deitados. Escorregou um pouco - tempo de acelerar a contorção seguinte. Correu e encontrou segurança nova. De frente com um conjunto de dados coloridos, somando nove. Respirou em reflexão, espreitou os andares de cima, chegando. Antes de continuar, mediu o chão. Subindo, a terra ficava maior que o céu. Retomou o movimento, ascendente. Levantou o joelho, esbarrando por baixo, na prateleira para cima. Tocou o trem com o indicador esquerdo. Tentou puxar, escapando para trás. Roçou a locomotiva novamente; a estante cedeu. Arriscou uma última vez: o trem que sai de cima bate asas. O ruído do que chegou lá para baixo não disfarçou a viagem. O trem sem gasolina não correspondeu. Na mão, não arrancou para cima. O tempo foi diminuindo, o tumulto atropelando. Deitou no chão, estava machucado, grande desilusão. Ainda sou pequeno, pensou. Quando o sonho crescer, não cai, não.

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- Assim, não, Rafael, tá doendo. Aaai, aaff, ãaaa, ãaaa... não.

Era melhor quando não precisava olhar. Acariciava o mamilo, enquanto repetia o movimento aprendido na televisão. Tocava todo o corpo; Paula queria, e queria sempre mais, estando com dor. Dores assim, pensava, sem o tranco do chão. Insistia com força, por mais que os sonhos sangrassem. "Vai, direto.. Vai". Olhava o próprio corpo, cansado, dobrava o olho: tudo morre um pouco quando o tombo é efeito da tentaçao. Mordendo a ponta da orelha, rasgando por baixo, o volume grande moldado na palma da mão. A pele roçada, os cabelos suados. A busca era infinita, perdida, o caminho destrilhado de um trem voador.
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