Thursday, March 22, 2007

- Perdão, sei, imagino, claro. É evidente. Sei que você pensará que lembro muito alguém que você conhece. Sei, sim. Que pareço de tal maneira... Poderia chegar a ser. Eu também, claro. Também terei a impressão de tê-la visto em alguma outra ocasião. De ter estado por perto tanto tempo. Talvez chegue até a admitir certa intimidade. Digo: a pensar que fomos íntimos algum dia. Que seus olhos, suas formas, o mamilo direito. Tudo. Ah, meu Deus, não leve a mal, mas diria até que sei seus sons de prazer, o sorriso de quando alguma coisa vai bem. Ah, de pensar que... Na rua, assim. Juraria uma familiaridade. Seus livros, suas músicas, os filmes que você destesta. Será? Você igual, não? Convencida de que adivinharia meu top 5. Minha cor predileta, o molho indiano que não uso jamais. O tipo de sofá, de lápis, de papel. Incrível, não? Posso ver quão incomodada você ficaria se dissesse a parte do corpo que não posso tocar... Ou o barulho sufocado de quando você espirra, sabe? Não você exatamente, mas a pessoa que tanto me faz lembrar. E eu, então? Quando você dissesse Durutti, completaria com Column, imaginando já ter vivido o mesmo episódio tempos atrás. Denunciaria minha fragilidade ao ouvir você repetindo: ya-sa-brás, e você nem imaginaria por quê. Se eu falasse de Lucía y el sexo, do receio de Ken Park, sabe? Não, claro que não. Você se parece - e só. Mas entendo, sim, sem dúvida. Entendo o medo de reconhecer numa pessoa aquilo que ela não é. De ter saudade do que foi, conformado. Que medo, hein? De pensar que poderíamos ter sido, que, de tão parecidos com o que fomos, ainda poderíamos estar sendo. Caramba. Imagine: consigo enxergar você dizendo: "fiquei acostumada a te querer, já não querendo mais. Mas é costume, sabe? Nem sei mais por que repito o corn flakes todas as manhãs". Aí, lembrarei que, quando você disse, quero dizer, quando a pessoa que tanto se parece contigo disse, fiquei desmontado, porque era verdade - e era recíproco. A gente tinha virado o corn flakes um do outro. Deus meu, até essa aliança no seu dedo, acredita? Lembra muito a que ela usava. Fico até sem palavra. Aqui, ó, compare com a minha. É ou não é? O mesmo modelo, Mari...
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