Wednesday, September 20, 2006


Me custa admitir que só eu ouço. Sozinho. Não, impossível ser assim. Soa alto e melódico. No silêncio, ou quando ponho a vitrola para girar. Sem disco. As paisagens que eu lembro têm música. O beijo que secou teve trilha. Ela disse sim, e a melodia foi a mesma. Num livro de lendas célticas, a fada ouviu um zunido. Na mesma escala, ou em harmonia diferente? Melos foi deus. Se eu fosse grego, não sangrava. Atormenta porque triplica quando lembro o que não volta mais. Aguça quando quero chorar. Sobe no desejo de dormir. De olhos fechados, então. Pavor. Há quem diga que o espírito doente tentou amarrá-la em linhas de pauta, pendente. Que o russo quis traduzir em óleo, com expressão. A cor, a nota, a matemática que costura uma na outra. Sabe-se de um poeta que, antes de deitar, pediu algodões no ouvido: "para estancar o sangramento". Morreram sem cura, parece ser, e não houve sossego.
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