Tuesday, September 18, 2007

Ana, querida,
sólo te pido buena música.
Y nada más.*



A mão invisível de Mr. Smith tropeça, a economia entra em colapso e, em resposta, machucado e desiludido, o último respiro de humanidade vem em forma de um levante cultural intenso, sem muitos recursos ou organização. A crise do bolso alçada à crise de dignidade. O homem sem dinheiro, rebelde, decide que a batalha é por respeito. A cultura, então, registra a imensa mágoa. Disseram Argentina? O cinema, a literatura e a nova produção musical do país arriscam um bonito sim.

Em meio a dezenas de filmes instigantes, do delicado El perro ao cáustico Chile 672, passando por Lugares comunes e Abrazo partido; ao lado da explosão de uma nova e talentosa geração de autores, registrada em publicações como La joven guardia e Nuevas Narrativas (volumes 1 e 2), o eco da bancarrota argentina de 2001/02. Na música independente, não foi diferente. Que dizer do alerta publicado pela Índice Virgen no momento mais doído da crise? "Por dificuldades maiores de la Argentina, não publicaremos discos durante o presente ano". O manifesto de cada um, esperançoso com a passagem da tempestade, já amansada quando da aparição do otimista selo portenho Estamos Felices, em 2004.

Com essa ou qualquer outra explicação, a cena independente argentina assiste, desde finais de 2005, a uma coleção de grupos e artistas munidos de extraordinária criatividade e competência. A seleção de discos sugeridos abaixo não é completa nem definitiva; pretende, mais que nada, montar um painel, quase caleidoscópico (em função da variedade de gêneros), do atual pop independente argentino.


A atual música independente argentina em 8 discos essenciais.


Oui! - Juan Stewart (Estamos Felices, 2007)
Oui! é lindíssimo. E instrumental. Comprido em alguns momentos, triste em todos eles. Melodias doces, que não escondem admiração por Sonic Youth, desdobram-se em fases, anunciadas por barulhinhos eletrônicos, seqüências de guitarra ou teclados e gaitas para niños. Trilhas sonoras, indie-rock, ambient, indietronic, tape music e post-rock aparecem em ritmos lentos, batidas dançantes e paisagens encantadoras. Juan Stewart, ex-baixista/tecladista do Jaime sin tierra, é parada obrigatória da música independente argentina.
http://www.myspace.com/juanstewart



Un millón de euros – El mato a un policia motorizado (Laptra, 2006)
Recentemente, o quarteto de La Plata alcançou certo destaque no Brasil, ao aparecer na Tramavirtual e viajar até São Paulo para show único na segunda edição do Guifest. Guitarras altas, letras inteligentíssimas, clima "kraut campestre" e refrões de "cancha" fazem de Un millón de euros um disco genial. "Amigo piedra" é tão ou mais clássica que "Navidad en los santos", e a faixa-título deixa vontade de muito mais.
http://www.myspace.com/elmatoaunpoliciamotorizado


No es - Coiffeur (Estamos Felices, 2007)
Coiffeur é canción com diversos elementos do folk anglo-saxão e algumas melodias indie-pop. No es, segundo trabalho do cantautor da província de Buenos Aires, combina poesia contemporânea e tradição da música popular latino-americana. "Tan atentos a que nada", "Cómo decirlo... yo también" e "Estampita" são belíssimos recortes de um disco cantado com beleza e visível conforto.


La vida secreta - Félix (Globo Rojo Discos, 2007)
As boas letras são característica comum a diversos projetos da nova música independente argentina. Félix Cristiani sabe muito bem disso. Em La vida secreta, os arranjos de cordas, teclado e vozes embalam versos como "Somos personas amables, capaces de destruir", ou "El verano parecía destronar los enigmas de un invierno sin igual". Artaud e Burt Bacharach. Pop e psicodelia de muita poesia.


De los valles y volcanes - Hacia dos veranos (Scatter Records, 2007)
Disco inteiro da banda que estreou, em 2005, com o ep Fragmentos de una tarde somnolienta. Linhas cruzadas de guitarras, melodias circulares, às vezes dois ou três movimentos, tudo muitíssimo bem executado. O sotaque cadenciado, charme dos amigos argentinos, encarna dedilhados mansos nos 9 temas instrumentais do disco. Muito recomendado.


Álbum para la juventud - Juan Ravioli (Azioni, 2006)
Arranjos belíssimos, camadas e camadas de violões, guitarras, baixo, órgãos, sax, cello, trombones, trompete e coros, em repertório diverso e, acima de tudo, pop. Juan Ravioli é uma espécie de virtuoso da cena independente argentina. Escreve, compõe, toca, arranja e conduz em cada uma das 12 canções de Álbum para la juventud. Emoldurada em harmonias ricas, a voz de Ravioli aparece clara em versos como "Estoy contando los últimos tres secretos que nunca conté".


S/t - Norma (Cala Discos, 2006)
Arranjos econômicos e melodias aceleradas num punk de nuances guitar-pop. A gravação modesta não impede que temas como "Chalet", "Enamorado" ou "Niños", cheios de coros para fãs de Rakes, pintem os motivos de passos frenéticos em quartos apertados. De La Plata, con mucha ironía, Norma – o anarquía? – para el mundo entero!


Uno – Ondo (Pelo Music, 2006)
Sebastián Carreras, um dos idealizadores do selo Índice Virgen, também membro do bem-sucedido Entre Ríos, aposta em uma variada gama de melodias eletrônicas no primeiro disco solo, publicado pela não muito independente Pelo Music. "Mirame" dá a medida da beleza do indietronic guardado em Uno, álbum de belíssimas letras, música digital e pop inteligente.
* Texto originalmente escrito para o informativo da Sensorial Discos distribuído no Festival No Ar Coquetel Molotov.
free web stats