Saturday, June 09, 2007


"Todo mundo tinha desejado um governo socialista, prossegui, mas agora estavam vendo que justo esse governo socialista havia malbaratado tudo, e eu, de propósito, pronunciara a palavra malbaratado com mais clareza do que todas as demais, nem sequer me envergonhando de tê-la empregado e repetindo-a ainda diversas vezes em relação à falência do Estado sob nosso governo socialista, disse também que o primeiro-ministro era um homem ordinário, astuto, espertalhão, que tinha usado e abusado do socialismo como um veículo para seu perverso apetite de poder, como, aliás, o governo todo, disse, todas essas pessoas são ávidas de poder, vis, sem escrúpulos, o Estado que elas próprias compõem é tudo para elas, disse, e o povo que governam não significa coisa nenhuma. Faço parte desse povo, que amo, mas não quero ter relação alguma com esse Estado, disse. Nunca em sua história nosso país tinha estado tão mal, eu lhe disse, nunca em sua história tinha sido governado por gente mais vil e, portanto, mais estúpida e sem caráter. Mas o povo é burro, disse, e demasiado fraco para modificar uma situação dessas, cai sempre na conversa justamente desses espertalhões ávidos de poder, como os que estão no governo agora. E mesmo nas próximas eleições, é provável que nada venha a se modificar nesse quadro lamentável, disse, porque os austríacos são pessoas apegadas a seus hábitos e se habituam até mesmo à lama na qual chafurdam já faz mais de uma década. Pobre povo, disse. E os austríacos, mais do que ninguém, continuam caindo no conto da palavra socialismo, disse, embora todos saibam que a palavra socialismo perdeu seu valor. Os socialistas já não são mais socialistas, disse, os socialistas de hoje são os novos exploradores, é tudo uma mentira só!" (O náufrago, Thomas Bernhard, 1983, p.101)
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