- Não, não, Leandro, agüenta isso, caramba. Aaaah. Imagina, agora, toda molhada. Não, não, pra lá, que é isso, se a gente sabe ser diferente. Toda essa roupa, essa água, põe isso para outro lado.
Distante, Víctor olhava, criança não fala desse jeito. Escondido na quina do quintal, protegido do jato da mangueira: muito mundo corria pela cabeça enquanto acabava a brincadeira. Saudade. Quando sinto melhor as coisas que não acontecem comigo. Sinto. Estou encharcado.
- É água, Raquel. Água. Ninguém morre molhado.
A gente seca, pensou Víctor, do outro lado. O nosso corpo seca, o tempo todo, e até o fim.
- Ai, ai, chega, agora não quero mais. Acabou. Sem graça.
Graça. A água molhar o chão de miracema, o canteiro, as tartarugas. O mundo girando, um sorriso com a impressão de ser no mesmo lugar. No dia seguinte, meu ponto da terra ficou longe do chão do dia anterior. É essa a saudade, rapaz. Agora entendo que tanto fica perdido "ontem". Nem Saturno, nem o novo planeta da televisão. E se o o universo gira também? Então saudade de tudo, para sempre perdido. Leandro estava feliz.
- Diz, diz: a-mi-za-de. Diz. Diz e, enquanto está dizendo, repara. É coisa boa que você pensa, não é?
Raquel disse.
Víctor. Havia um jeito errado. Não é texto que criança diz. Fechou os olhos, devagarinho. E sozinho, em silêncio, repetiu: "a-mi-za-de". Uma segunda vez: "...mi-za-de". Gozado, o tempo passava mais devagar. E é bom? Fez de novo: sagu de vinho.
- E você gostou?
- Do quê? Do sagu?
- Não, Víctor. Do beijo, moleque.
Leandro bateu no ombro do melhor amigo: Raquel já não beijava como das primeiras vezes.
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