Monday, December 11, 2006

Lucía nunca precisou mexer o corpo para dançar a música preferida. "Nasci na Porta do Sol", num país mediterrâneo. Queimando ou acesa, num brilho que ilumina meu caminho. Coisa estranha, cada pessoa que cruzara sua vida, agora, ou perdida no passado, para sempre, guardava um sentido do "que devo ser". Não por obrigação. Explicação, simplesmente. Cada sorriso sincero, lágrima escondida; cada nova palavra aprendida em sotaque diferente, cada alfabeto revisto, cada som que não era igual, cada "senão" ouvido da língua de alguém; tudo, no intervalo em que se derramava, querendo deixar de ser, tudo me explicava. Lucía num pórtico ensolarado, Miguel na raiva da traição, Ada enciumada, Kaja descoberta, Kadri, Kädi, Mark, Felipe, Víctor ou Rafael - existiram em mim, enquanto existi em alguém. Sempre gostei de paçoca, pelo excesso de açúcar que tem. Balançou a cabeça, "não sei nem quando nem onde nasci", tendo estado, mais de uma vez, diante da maternidade Santa Helena. "Os quatro, um depois do outro", dissera sua mãe. "Pudesse e também seria vizinho do sol". Nascer quente, fervendo, ou gelado, não é escolha que a gente faz. Acontecendo, suamos água, chorando demais, ou secamos o olho, piscando pouco, baixa a temperatura da gota rebatizada. "Lágrima", sentiu, lambendo os lábios, "salgadas, mas boas demais". Foi na terceira série, distante do que estava sendo, agora. "Distante não é ausente", repreendeu Lucía, na língua que falava, com saudade de estar vivendo "já". Que habitaria um "ainda", deitando na cova do "jamais". Ah, senhores. Ah. Quando sentava para seguir com a história sua, quando, de novo, enfrentava o rosto diferente de cada pessoa que amou, em suficientes 15 dias, ao longo de anos compridos e esquecidos, fosse mãe, irmão, sereia ou amigo, fosse gente encarnada estrela no céu, fosse o que fosse, vivo ou entregue, fosse e teria sido já, havido no presente eterno de quando disse "agora". Deixou o caderno, foi até a parede, branca algum dia. Ajeitou a gravura, pensou na tristeza de outro tempo, pensando ser sempre o mesmo tempo de tristeza. "Gosto da vida", buscando, dentro do próprio corpo, o lugar onde a bílis escurecia. "Não espero muito de mim. Serei feliz, estando triste, sendo o saldo final notícia de aventura, contando mais de mim ao que sou hoje e não serei de algum dia em diante".
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