Sunday, December 25, 2005

Foi: ano em que o movimento disse "estou por você", ano do desaburguesamento, do nossa,-isso-existe!; período em que ficaram uns amigos, vieram outros. O risco das próprias crenças; a convicção de que lá-para-lá-de-longe é aqui, de que somos personagens de uma história cuja autoria, porque coletiva, é anônima. Descoberta do valor do meio-mastro, do esconderijo da dignidade, onde todo temor afirma as próprias vontades. Isso: ser menor que o próprio medo, humildade que vale a força da sobrevivência. Isso também: entender o silêncio como instrumento de expressão, descobrir a fragilidade de todos os limites - a fragilidade de tudo, porque a gente acaba. Desdobrar as dúvidas em pensamentos úteis; mudar o telefone, mudar o endereço. Deixar de ser, porque ser é movimento. Ano de fartura, mas nem muito nem pouco sexo. E ninfas imaginadas, parcas ensolaradas. Ano de troca de papéis, de saberes fugidios, de reconquistas, de dinheiro, de saúde e infecções, de túneis abertos mas intocáveis. Ouro sujo. Ano de superstições, acima de qualquer contestação. Ascetismo, ou ceticismo, a crença no nada, que é. Esperança como condição de existência. Crença que está para deixar ficar. Jogos de tênis, jogos entre irmãos, jogos de família. Tempo de paisagens incansáveis, de consistências líquidas, de saudades densas, de alegrias passageiras, de desenhos animados, de receios fictícios, porque não há estático, não há estado que não mude. Ano do clube, del club, da língua rebatizada, dos gestos redesenhados, de idéias que vendem. E venderam. E desmancharam. Discos, muitos discos. Broken Social Scene, Legends, Skinny, Chorus. E Luisa. Explosões do ano. Tardias - uma carona aí? Pop, assobio que acalma. Que atiça. Ahhhhh, foi ano do distanciamento; às vezes, da aproximação. Do que chegou, do que saiu. Mãe. Sei, sei. Data em que livros cresceram no criado-mudo. Em que citações valeram pontos. Títulos. "Então, ontem, achei que tudo valeu a pena." Então, valeu? Ano disso daqui, do impasse infinito entre o sim e o não. Do encontro com a aflição alheia, do empréstimo do seu guarda-chuva. Que ficou para trás tal qual proteção da chuva que foi. Frio e céu azuuul. Sacolas pagas de supermercado. Pílulas incandescentes. E o sagrado? A lágrima que escorre, ou a cosquinha que ameaça. Dias de idas e vindas. De idas - e ponto. Ou de vindas? Tanto, tanto foi. Mas foi, e está ido.

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